quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

"Quinze minutos em cada peito a cada três horas"

A Livre demanda é uma necessidade fisiológica do amamentar.

Mas de onde surgiu a ideia de que os bebês tem hora e quantidade certa para mamar?

Não podemos ignorar o fato de que a regulação do tempo de mamada de um bebê ou a hora que ele precisa ser alimentado tem estreita relação com a indústria de leites artificiais - e não com a amamentação natural.

Há quase um século a indústria de leites artificiais começou a fabricar substitutos ao leite materno - "alimentos" infantis que variaram de leites de vaca condensados, à farinhas engrossantes chegando hoje às fórmulas ultra tecnológicas - e a cultura em torno da amamentação hoje ainda se pauta pelos paradigmas que essa indústria criou. 

Profissionais de saúde infantil nem sempre são especialistas em amamentação, e podem estar reforçando esses paradigmas que favorecem em primeiro lugar a cultura da fórmula, em detrimento de bebê e mãe.

"Quinze minutos em cada peito a cada três horas" - essa só pode ser uma recomendação para um processo de lactação massificado, onde supostamente o profissional de saúde saberia calcular a quantidade de nutrientes, o tipo de absorção, o tempo de digestão e o volume que um bebê precisa. Impossível saber exatamente quanto o bebê está mamando quando está no peito.



O leite da mãe é um organismo vivo. Ao longo da mamada, o bebê não recebe um único tipo de leite - isso ocorre apenas no leite industrializado, que possui uma única fórmula do começo ao fim, em todas as latas.

No seio da mãe, o bebê demanda com sucção em diferentes intensidades, leva diferentes tipos de anticorpos. Pode estar mamando uma vacina biológica natural para uma gripe que pegaria. Pode estar mamando aquele leitinho que vai ajudar a combater uma infecção. Como saberemos estimar o quanto, o como e o quando esse bebê vai mamar? 

Não saberemos.

Para além do combustível para a saúde do bebê, o leite materno, a sucção e o colo da mãe representam prazer e satisfação para um bebê, especialmente recém nascidos, nesse momento sensível e peculiar que é a chegada à vida. Como é que os profissionais que praticam as recomendações rígidas de horário esperam satisfazer as necessidades de um ser humano que experimenta pela primeira vez sensações como frio, calor, fome, medo. Bebês não passam pelas coisas com hora marcada, assim como nós.

Fica claro que é uma recomendação pautada pela indústria, que acima de tudo prefere e precisa que os bebês mamem o mínimo possível. Só não declaram que preferem que os bebês não mamem, porque felizmente há leis que coíbem algumas práticas abusivas que levam ao desmame.




Quando o bebê cresce e se inicia a introdução alimentar, os mesmos profissionais que recomendam horário fixo para as mamadas, sugerem data limite para começar a comer. Para todos: exatamente no dia que completar seis meses. Sem observar os sinais, sem proporcionar a exploração sensorial do alimento, sem permitir um encontro prazeroso com a comida. Bebês e mais bebês, amarrados com data marcada em seus cadeirões, com colheres mágicas que os abastecem sem sujeira!


Seguindo nessa onda, o mesmo grupo vai sugerir que "agora que come já pode desmamar". Contrariando as evidências incorruptíveis de que o leite materno e a amamentação seguem oferecendo proteção à saúde mental, física e emocional para a criança e para a mãe - enquanto estiver bom para os dois. O curioso é que, para o desmame à partir da alimentação, o argumento mais utilizado é a independência do bebê.

Autonomia do bebê.
Respeito à liberdade da criança.

Mas ora, um bebê que desde os primeiros dias segue horários fixos, não tem suas necessidades fisiológicas atendidas se elas acontecerem fora do prazo estipulado pelos adultos, é alimentado com data marcada, cardápio marcado, local marcado... Teve por acaso algum tipo de respeito em autonomia ou liberdade?

Por que de repente essas questões viram argumentos?

A resposta é bem pragmática: porque interessa à indústria. Aquela, que determinou a cultura da amamentação em hora marcada precisa dessa "autonomia fictícia" de crianças bem pequenas, porque o ciclo de vida de um produto que competia com a amamentação (leite em pó por exemplo) já está chegando ao fim e é preciso levar esse pequeno consumidor ao próximo ítem da linha: papinhas. 

As indústrias tem um produto alimentício "adequado" para todas as fases da vida de um ser humano. Da amamentação ao fim da vida.  Dos 0 aos 100 anos. E o marketing dessas empresas sabe exatamente como, através da cultura, publicidade e interferência na formação dos profissionais, ir levando o consumidor fidelizado à marca a depender, querer e precisar cada vez mais daquela indústria.

Esse é o negócio deles.


E qual é o nosso negócio? Como pais, mães, cuidadores de bebês e crianças, pediatras focados em humanidade e não em comércio?

Questionar os paradigmas, olhar atentamente para mães e bebês como universos exclusivos, complexos. Acreditar no processo fisiológico do corpo feminino, acreditar no leite materno. E nos empoderar através de informação e prática que de fato favoreçam nossas necessidades e liberdades.