quarta-feira, 30 de maio de 2012

Aleitamento materno

Keiko Teruya é médica pediatra e professora da Faculdade de Medicina da Fundação Lusíada de Santos.
Nossa espécie, o Homo sapiens, pertence à classe dos mamíferos, animais que amamentam os filhos quando nascem. Fiéis às origens, durante toda a história do homem na Terra, as crianças foram amamentadas no peito da mãe. Nos anos 1950, porém, mudanças sociais e econômicas resultantes da industrialização e da entrada da mulher no mercado de trabalho contribuíram para a quebra desse paradigma. Muitas precisaram suspender a amamentação dos filhos para sair de casa logo cedo e assumir posições profissionais. A solução que lhes restou foi alimentar suas crianças com mamadeiras, leite em pó e os suplementos que as indústrias encarregavam-se de produzir e apresentar como excelentes substitutos do leite materno.
Pagamos um preço alto por isso, porque não tardaram a aparecer estudos elencando as desvantagens desse tipo alimentação. Atualmente, a Organização Mundial de Saúde recomenda que a mãe amamente os filhos, durante os seis primeiros meses de vida, exclusivamente com leite do seu peito. A partir dos seis meses até os 2 anos, outros alimentos devem ser introduzidos na dieta e oferecidos ao bebê em colherinhas e não mais na velha e superada mamadeira.
VANTAGENS DO LEITE MATERNO
Drauzio — Quais as consequências que essa mudança de paradigma ocorrida nos anos 1950/1960 acarretou?
Keiko Teruya – A história já se encarregara de demonstrar que era possível alimentar o ser humano com outro leite que não o materno. Haja vista, o caso de Rômulo e Remo, fundadores de Roma, que segundo a lenda foram amamentados por uma loba. No nosso caso, a escolha recaiu principalmente sobre o leite de vaca. Só que, apesar de o Homo sapiens ser o animal mais adaptável dentro da escala zoológica, há sempre um preço a pagar por essa quebra de paradigma, pois o leite materno diminui o risco de maior suscetibilidade alérgica, infecções e até mesmo de morte infantil.
Drauzio – Quais as vantagens do leite materno em relação aos outros tipos de leite?
Keiko Teruya – Ele contém todos os nutrientes necessários para garantir o crescimento saudável da criança. ALém disso, olhos nos olhos, mãe e filho estabelecem a primeira linguagem efetiva de amor.
PRODUÇÃO DO LEITE MATERNO
Drauzio – Como é a dinâmica da produção do leite materno?
Keiko Teruya – A sucção desencadeia um reflexo hormonal: a prolactina (hormônio produzido pela hipófise) promove a produção de leite e a ocitocina, sua descida para a região da aréola mamária. O espantoso é que toda a mulher pode produzir leite mesmo que não tenha gerado a criança que suga seu peito e, quanto mais ela suga, mais leite aparece. Para ser didática e simples, digo às mães que, enquanto o bebê mama, um carteiro leva uma mensagem para a cabeça dela avisando que lá embaixo tem gente precisando de leite. Se a criança reclama – “Mãe, aqui não está saindo leite” -, o mensageiro transmite nova ordem ao cérebro materno – “Solte o leite” – no que é logo obedecido.
Drauzio – Esse mecanismo pode ser alterado de forma que algumas mães apresentem dificuldade para amamentar e produzir leite?
Keiko Teruya – Se a ocitocina não passasse pelo hipotálamo, não haveria tanto problema. Acontece que ela passa e quando a mãe está nervosa, tensa, cansada, levou um susto ou teve um grande aborrecimento, um bloqueio impede-a de soltar o leite. A expressão “esconde o leite” reflete bem o que ocorre nessas situações. Entretanto, se a criança continuar sugando, novo comando será transmitido ao cérebro da mãe que deixará o leite fluir.
AMAMENTAR NÃO DÓI
Drauzio – Como é possível manter essa tranquilidade se algumas mulheres sentem dor enquanto amamentam, porque o mamilo rachou, por exemplo?
Keiko Teruya – A amamentação deve ser absolutamente indolor. Partindo do seu exemplo, o mamilo não racha se a criança for colocada na posição correta e pegar direito o peito. Por que ocorre a rachadura? Ocorre porque a criança não consegue pegar a areola, a parte do seio que não dói. Sempre peço que as mães apalpem suas mamas e lhes pergunto onde são mais sensíveis. Todas as respostas coincidem: o bico é a parte mais dolorida. Fica claro, então, que ali a criança não pode sugar porque vai doer. No entanto, se a criança sugar na região areolar onde ficam os bolsões de leite que devem ser espremidos para liberá-lo, não haverá desconforto nenhum. Se a mulher sente dor quando o filho mama, a dinâmica da sucção deve estar incorreta.
Drauzio – No decorrer da gravidez, a mulher pode tomar alguns cuidados que deixem seus seios em melhores condições para a amamentação?
Keiko Teruya – Antigamente, as mulheres eram orientadas para tomar sol e fazer massagens de protusão dos mamilos. Estudos posteriores demonstraram que essa indicação não tinha o menor fundamento. O que realmente importa para evitar rachaduras e, consequentemente, dor é a criança estar bem posicionada e ter boa sucção.
Drauzio – É difícil amamentar um bebê?
Keiko Teruya – As mães aprendem a amamentar com extrema facilidade. Eu lhes digo que o primeiro contato entre mãe e filho deve ocorrer na hora do nascimento, porque na primeira meia hora a criança está lúcida.
Mais tarde, no quarto, ela irá aprender como posicionar corretamente a criança durante as mamadas. A criança deve ficar de frente para o peito da mãe (principalmente para a região areolar), pois é a pressão de sua gengiva na areola que solta o leite. Se ela sugar só na pontinha, o leite não sai. Sua cabeça deve estar alinhada com o tronco, ou seja, a criança não pode estar torta e seu corpo deve ficar colado aocorpo da mãe o tempo todo.
LEITE FRACO E LEITE FORTE
Drauzio – Algumas mães dizem — ah, meu leite está aguado — e suspendem a amamentação ou completam as mamadas com mamadeiras. Existe leite materno fraco ou forte?
Keiko Teruya – Não existe leite fraco ou forte. Existe leite bom para a criança. Às vezes, as mães consideram seu leite fraco porque o comparam com o leite de vaca, que é mais denso e consistente o que, de certo modo, o torna impróprio para o ser humano. O bezerrinho, em um ano e meio ou dois, deverá ter-se transformado num animal adulto. O ser humano precisa de 16 a 18 anos para completar seu ciclo de desenvolvimento.
Por que as mães acham que seu leite é fraco? Porque, quando a criança toma mamadeira, parece que fica mais tempo sem fome e dorme mais. Isso acontece porque a digestibilidade do leite de vaca, cujas moléculas são maiores, é muito lenta e provoca uma sobrecarga nos rins. A criança se sente como o adulto que comeu uma feijoada: de estômago cheio e sonolenta, largada. As mães não costumam estabelecer essa relação e julgam que seu leite está fraco.
Além disso, ao contrário do leite de vaca, que é inerte, o leite humano é composto por células vivas que transferem para o bebê a imunidade materna aos agentes infecciosos.
Drauzio Essa coisa viva a que você se refere são os glóbulos brancos?
Keiko Teruya – São os glóbulos brancos, os anticorpos que a mãe passa para o filho. Hoje, sabemos que além dos macrófagos e dos linfócitos T, entre outros, o leite materno possui imunomodeladores, substâncias que ativam a imunidade da criança. Por isso criança que mama na mãe dificilmente morre e, quando adoece, se restabelece mais depressa.
PREVENÇÃO DE DOENÇAS
Drauzio – Quais são as doenças mais frequentes em crianças que não são amamentadas no peito?
Keiko Teruya – A mais frequente é a diarreia. A criança amamentada no peito está dezessete vezes mais protegida contra essa doença, porque no leite materno existe um anticorpo chamado IGA secretora que recobre a mucosa intestinal protegendo-a contra infecções e recobre tembém a mucosa da árvore brônquica e dos ouvidos, prevenindo otites e pneumonias. A longo prazo, a prevalência de certas patologias como a aterosclerose, alguns tipos de câncer, obesidade e diabetes é menor nas crianças amamentadas no peito.
Drauzio – Muitas mães perguntam se, quando estão gripadas, podem amamentar o filho?
Keiko Teruya – Podem e devem. Durante o processo gripal, a imunidade da mãe está sendo ativada. Como seu leite é constituído por células vivas, seus anticorpos são transmitidos diretamente para a criança durante as mamadas.
Drauzio – Não há o risco de o vírus ser transmitido também pelo leite?
Keiko Teruya – Na verdade, a mãe transmite o vírus e o tratamento, porque seu leite carrega os anticorpos necessários para combater o agente agressor. Mesmo que suspenda a amamentação, ao cuidar do bebê, ela estará correndo o risco de transmitir a doença com a agravante de não lhe transmitir as defesas (imunoglobulinas, macrófagos e até interferon) que o leite transporta.
USO DE MEDICAMENTOS
Drauzio – Existem restrições quanto ao uso de medicamentos durante o período de amamentação?
Keiko Teruya – A maioria dos remédios está liberada durante a amamentação. Se a mãe tiver uma dor de cabeça, pode tomar um analgésico sem medo. No entanto, existem algumas contraindicações, como é o caso dos imunossupressores e de alguns hormônios. Casos que não admitem suspender a medicação, como os de hipertireoidismo materno, exigem acompanhamento bastante cuidadoso.
Drauzio – E em relação aos tranquilizantes?
Keiko Teruya – As mães podem tomar tranquilizantes desde que em doses absolutamente controladas. Lítio, nos casos de transtorno bipolar, e ergotamina, nas crises de enxaqueca, precisam ser ministrados com muita cautela. No entanto, contradizendo o que se pensava anteriormente, a maioria dos antibióticos e quimioterápicos não apresentam contraindicações indesejáveis durante amamentação.
O Ministério da Saúde publicou um livreto – “Aleitamento Materno: Amamentação e Drogas”, disponível em qualquer Posto de Saúde – que contém informações importantes sobre o uso de medicamentos. Por exemplo, se a mãe precisa ser medicada contra a esquistossomose, lendo o livro descobrirá que nada a impede de tomar o remédio prescrito.
RITMO DAS MAMADAS
Drauzio – Que critério a mãe deve adotar para estabelecer o ritmo das mamadas? Ela deve obedecer a um horário rígido ou guiar-se pelo choro da criança?
Keiko Teruya – Livre demanda é o critério a ser adotado. Os bebês não nascem conhecendo relógios nem horários, mas a mãe sempre percebe quando chegou a hora de amamentar. Não é preciso que a criança chore. Sua irritabilidade ou agitação bastam para que ela saiba que o filho necessita de seu peito.
Drauzio — Existem instruções para orientar a mãe no que se refere à troca de peito?
Keiko Teruya – A criança deve mamar num peito até soltá-lo espontaneamente e só então lhe deve ser oferecido o outro. Há um teste simples que demonstra a eficácia desse procedimento. Antes de iniciar a mamada, pede-se à mãe que retire um pouquinho de leite e reserve. Em seguida, o seio é oferecido ao filho. Quando ele o soltar, ela tira mais um pouco de leite desse mesmo seio e compara as duas amostras. O primeiro é ralo e bem clarinho, pobre em gorduras, mas rico em açúcar e água. O outro é escuro.
Essa diferença é uma prova de que a natureza é sábia. A criança tem necessidade dos dois leites: o anterior e o posterior. O primeiro serve para matar a sede; o segundo, para matar a fome e fazê-la engordar.
Nós, pediatras, estávamos errados quando apregoávamos 15 minutos num peito, 15 minutos no outro. Geralmente, a mãe que tem num único peito leite suficiente para alimentar a criança, deve começar a mamada seguinte pelo seio menos solicitado e deixar que o primeiro e esgote.
Drauzio – Na hora da amamentação, qual deve ser a atitude da mulher?
Keiko Teruya – Bem relaxada e com as costas apoiadas, de preferência com o pé todinho no chão, a mãe deve olhar para a criança, o que nela é uma reação quase automática, instintiva. Esse carinho, o cheiro que a mãe exala, essa dança entre mãe e filho ao amamentar são fundamentais para o desenvolvimento harmônico da criança. Por isso está certo quem diz que, se a criança receber amor, dificilmente devolverá violência.
Não faz muito tempo, entrou em contato comigo uma procuradora de justiça que estudou a criminalidade nas crianças que viviam em instituições. Ela concluíra que o desmame era a causa mais importante desse desvio comportamental. Essas crianças nunca haviam sido amamentadas e mãe que amamenta, não maltrata o filho. Não o espanca, não o queima nem quebra seus ossos e não o abandona.
Drauzio – Resumindo, quais as orientações da Organização Mundial de Saúde em relação ao aleitamento materno?
Keiko Teruya – A OMS aceitou uma proposta brasileira e recomenda o aleitamento materno por seis meses. A partir dessa idade até os 2 anos, outros alimentos serão introduzidos observando as etapas do desenvolvimento infantil. O branco do leite é substituído pelo colorido dos sucos de frutas, por exemplo; o líquido, pelo pastoso e depois pelo sólido. A recomendação é oferecer à criança o que a família come e não mais as sopinhas elaboradas de antigamente.
Drauzio — Sem usar a mamadeira?
Keiko Teruya – Sem a mamadeira e sem chupeta, que também deixou de ser recomendada. O ideal é não utilizar a mamadeira, porque a dinâmica de sucção é totalmente diferente da do peito. Para demonstrar a diferença, peço às mães que suguem seu dedo e depois seu punho. Ela vai notar que para sugar o dedo usa muito pouco a estrutura da boca. Praticamente só usa a língua. O mesmo ocorre com a criança e a mamadeira porque o leite sai quase por gravidade. Mamar no peito pressupõe muito mais esforço e empenho. E quem não gosta de sombra e água fresca?
Fonte: http://drauziovarella.com.br/infancia/aleitamento-materno/

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Como pensa o pediatra que criou o attachment parenting

A RevistaCRESCER entrevistou, por telefone, William Sears, mais conhecido por Dr. Bill Sears, o pediatra norte-americano que compilou os conceitos do chamado attachment parenting, um estilo de criar os filhos que ganhou espaço na mídia do mundo todo após a capa comemorativa do dia das mães da revista TIME.
Cíntia Marcussi
Carregar o bebê próximo ao seu corpo, em um sling, por exemplo; começar o contato com seu filho logo após o parto; amamentação prolongada; deixar o filho dormir na sua cama. Se você está grávida ou tem filhos menores de 10 anos, já deve ter ouvido ou lido pelo menos uma discussão sobre essas práticas. Muita gente defende, outras muitas criticam com unhas e dentes. E não só por aqui.

Recentemente uma capa da revista TIME literalmente “causou” em sites, redes sociais e na mídia em geral do mundo todo. A imagem, que trazia uma mãe amamentando uma criança de 3 anos, era só um chamariz para contar a história de Dr. Bill Sears, o pediatra norte-americano que escreveu, vinte anos atrás, o livro The Baby Book (O Livro do Bebê, em tradução literal, inédito no Brasil). Best-seller nos Estados Unidos, o livro traz sete regras que devem ser seguidas para criar filhos felizes, saudáveis, e com “bom caráter”, o chamado attachment parenting, algo que é conhecido no Brasil como
criação com apego. Além das quatro atitudes citadas no início desta reportagem, estão na lista acreditar no choro do seu filho (e confortá-lo sempre), tomar cuidado com métodos de treinamento para bebês (como o que diz para amamentar a cada 2 horas ou deixar o bebê chorando por X minutos) e balancear a maternidade / paternidade com as outras áreas da vida (casamento e cuidar de si mesma).

Dr. Bill Sears tem 72 anos, oito filhos, alguns netos e conversou com a CRESCER por telefone para explicar como ele chegou aos conceitos do attachment parenting, justificar por que recomenda que os pais os sigam e comentar sobre toda a polêmica que sua teoria gera entre quem tem, está para ter e mesmo quem não tem filhos.


CRESCER - Como você chegou ao seu conceito de attachment parenting?
Dr. Bill Sears -
Quando eu comecei a atuar como médico, 40 anos atrás. Eu sabia muito sobre bebês doentes, mas nada sobre bebês saudáveis e normais. Então eu comecei a observar essas crianças saudáveis e descobri muitos hábitos das mães, muitas atitudes inteligentes. Foquei nas crianças que eram bem comportadas, que eram muito saudáveis, e passei a investigar o que o pai e a mãe dessas crianças faziam, o seu estilo de criar os filhos. Foi assim que eu descobri os sete conceitos (7 Baby B’s, em inglês) - é o que esse pais faziam na maioria das vezes. Também li e ouvi relatos de pessoas que tinham viajado pela América do Sul e observaram que eram carregados junto ao corpo das mães. E contavam como os bebês adoravam, como as mães também pareciam felizes. E eu pensei: tenho que popularizar isso aqui na América do Norte!


C – Todos os seus filhos nasceram após o senhor desenvolver esse conceito?
Dr. B.S.
- Sim. Foi durante, na verdade. A gente foi descobrindo também o que era melhor para os nossos filhos. A cada filho minha mulher ia amamentando por mais e mais tempo, por exemplo, pois isso funcionava muito bem para ela.


C – E seus filhos seguiram os mesmos preceitos que o senhor na crianção dos filhos deles, seus netos? Ou houve um daqueles conflitos de gerações em que os filhos resolvem fazer tudo ao inverso do que seus pais fizeram?
Dr. B.S.
- (risos) Eles seguiram com esse estilo sim, acho que viram que funcionou bem, deu certo. Mas eu sempre faço brincadeiras com eles: “Oras, vocês estão bem hoje, não é?”. Sabe, é um estilo muito natural de ser pai e mãe, é quando uma mãe segue seus maiores instintos, os mais básicos. Não é nada extremo e nem é novo. O que eu fiz foi apenas pegar tudo o que as culturas ao redor do mundo sabem por séculos e reunir. Pois eu acho que nós precisamos voltar ao mais simples e natural, que sabemos por experiência milenar que funciona. Acho que era preciso trazer isso de volta.


C – Por que o senhor acha que é bom voltar para isso? Que bem, afinal, isso faz para as crianças?
Dr. B.S. -
Eu estudo isso há mais de 40 anos, então eu já pude observar e estudar pessoas que hoje são adultos e foram criados seguindo esses preceitos. Eu os chamo de “crianças que se importam” (kids who care, em inglês). Eles têm o que chamamos de empatia, eles são pessoas gentis, muito sensíveis, são bons indivíduos para a sociedade. Não se transformam, por exemplo, em crianças que praticam bullying. Nós como sociedade, em todos os países, precisamos mais de pessoas assim, mais de sensibilidade. É muito raro que uma criança criada assim se torne um criminoso.

C – E por que o senhor acha que as pessoas resolveram criticar tanto tudo isso agora, o que causa tanta polêmica, em especial depois da matéria de capa da Time?
Dr. B.S. -
Eu acho surreal, pois as pessoas estão se afastando do que é básico na maternidade. Para muitas mulheres, isso não tem nada de estranho, nem de extremo, é muito natural. Para outras, essa ideia de amamentar até os 3 anos é absolutamente bizarra. O ponto que eu quero mostrar a todos é que isso não é surreal em muitas e muitas outras culturas. A Organização Mundial de Saúde, uma organização muito mais do que respeitada, recomenda que se amamente por 2 anos ou mais. Então, se isso é recomendável ao mundo todo...


C - Sim, mas imagino que pessoas argumentem que isso simplesmente não se encaixa mais com o estilo de vida atual de muitas mulheres, em especial as que trabalham fora. É muito possível que muitas delas não consigam ter essas atitudes. O que o senhor diz a respeito disso?
Dr. B.S. -
Eu acredito que dá para conciliar com o trabalho, sim. E mais que isso, digo que o attachment parenting é ainda mais importante para as mulheres que trabalham. Na verdade, as mulheres sempre trabalharam. Isso não é novo. Minha mulher trabalhava enquanto cuidava dos nossos filhos e eu ainda estava na faculdade. As mães são as melhores multitarefas do mundo, elas podem fazer muitas coisas ao mesmo tempo. E as mulheres podem continuar amamentando depois de voltar ao trabalho, por conta de todas as bombas de amamentação que existem hoje, muito mais modernas. Aqui nos EUA nós temos leis agora que permitem que as mulheres tirem 15 minutos várias vezes por dia para extrair seu leite em um lugar específico e depois levar para seu bebê. Então existem meios, sim, para a mãe que fica longe de seu filho. O leite materno é ouro líquido, e isso é um meio maravilhoso delas se conectarem com seu filho. Acho que o attachment parenting é ainda mais importante na sociedade atual. (Nota da editora: aqui no Brasil existem projetos de lei para que existam salas de amamentação nas empresas e também projetos para padronizar esses espaços).


C – Aqui no Brasil temos 4 meses de licença-maternidade, é bem menos nos Estados Unidos, não é?
Dr. B.S. -
Sim, e dar um bom período de licença-maternidade é característica de um governo sábio. Pois é um investimento nas pessoas do futuro daquele país. É o futuro da sociedade que entra em jogo.

C – Gostaria que o senhor falasse um pouco da culpa materna. As mulheres se sentem culpadas por não estarem perto de seus filhos, não fazer isso ou aquilo por eles. O senhor não acha que dizer que elas devem amamentar por tempo prolongado aumenta ainda mais esse sentimento?
Dr. B.S. -
Eu acho que attachment parenting é o contrário. Ele dá ferramentas para que ela fique mais próxima, se conecte com o seu filho, não o oposto. Ou seja, mesmo se você precisar estar longe de casa, você tem um jeito de, na volta, estar mais perto do seu filho. São coisas para ajudar, não para piorar a sensação dela.


C – E quanto aos homens? O que os pais podem fazer sobre o attachment parenting, já que amamentação é uma das coisas que só as mães podem fazer?
Dr. B.S.
- É muito importante para o pai ter atitudes nesse sentido, para que a mãe não se sinta esgotada. O pai pode vestir o bebê, usar o sling, ele pode confortar um bebê que chora. É lindo ver um homem segurando seu bebê pele com pele. Vê-lo cantar para seu filho, aconchegá-lo. E os bebês amam isso. É um jeito muito bacana dos pais participarem.


C – Algo mudou desde que o senhor escreveu o livro The Baby Book?
Dr. B.S. -
Acho só que fica mais claro que podemos comprovar que isso funciona. Temos como mostrar que as crianças criadas assim cresceram bem, saudáveis e hoje são adultos com boa saúde e caráter. Mas eu digo aos pais o seguinte: escolham e pratiquem o estilo de paternidade que for mais natural para vocês.

http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI306793-15151,00-COMO+PENSA+O+PEDIATRA+QUE+CRIOU+O+IATTACHMENT+PARENTING+I.html


segunda-feira, 21 de maio de 2012

Mães que amamentam os filhos por mais de dois anos causam controvérsia

De mansinho, Paola se aninha no colo da mãe. São 10h de quarta-feira, ela está gripada e quer mamar. A menina se ajeita e começa o ritual da amentação. O inusual na cena é ela ter sete anos.
Controversa, a amamentação prolongada vem sendo adotada por muitas brasileiras adeptas do movimento chamado Criação com Apego (Attachment Parenting), que também prega que os
 pais durmam junto com os filhos até quando eles quiserem.

O movimento nasceu há 20 anos nos EUA, após a publicação do livro "The Baby Book" (O livro do bebê, em tradução livre), do pediatra William Sears. A obra defende uma educação amável e sem castigos e punições.

Na semana passada, o assunto ganhou destaque após a revista "Time" estampar na capa uma mãe amamentando o filho de três anos. O garoto usa um banquinho para alcançar o seio materno.

Não há uma idade limite para o desmame, segundo a SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). A OMS (Organização Mundial da Saúde) preconiza aleitamento exclusivo até os seis meses de idade. E recomenda que as crianças continuem sendo amamentadas no peito por até, pelo menos, dois anos.

"Não há estudos que apontem prejuízo às crianças que são amamentadas acima de dois anos. O momento de parar é uma decisão entre mãe e filho e está muito relacionada a fatores culturais", diz a pediatra Graziete Vieira, do departamento de aleitamento materno da SBP.

Segundo ela, pesquisas mostram que, quanto maior o tempo e a dose de amamentação, mais proteção imunológica terá a criança.

Na prática, porém, a maioria dos pediatras é avessa à proposta do aleitamento prolongado. "É uma aguinha com um pouquinho de sabor. O leite já não tem mais a mesma quantidade de nutrientes", diz o pediatra Cid Pinheiro, professor na Santa Casa de São Paulo.

Ele também aponta possíveis prejuízos nutricionais. "Se a criança for mamar em horário próximo a uma refeição, pode perder a fome e não se alimentar corretamente."

Para o pediatra, crianças que mamam no peito ou dormem na cama dos pais com "com cinco, seis, sete anos" podem ter prejuízos psicológicos. "Será que é esse tipo de segurança que elas precisam dos pais? Será que não estamos postergando o amadurecimento delas?"

VIDA REAL

A médica Marina Rea, membro do Comitê Nacional de Aleitamento Materno do Ministério da Saúde, argumenta que, no aleitamento prolongado, a criança continua a receber uma quantidade de nutrientes "apreciável", tanto em calorias (proteínas) quanto de micronutrientes (como vitamina C).

Ela reconhece, porém, que, com o passar do tempo, é pequena a quantidade de leite materno. "Mas é um líquido de alta qualidade."

Para ela, a relação emocional que existe na continuidade da amamentação da criança maior merece mais estudos. "Fala-se em crianças menos estressadas e menos agressivas. Mas não há comprovação científica."

No entanto, para a psicóloga especialista em educação Roseli Caldas, professora da Universidade Mackenzie (SP), o aleitamento prolongado distancia as crianças da vida social real e pode ser um risco à autonomia delas. "A gente não precisa disso para estar com o outro", diz.

Segundo ela, a amamentação é um vínculo de suprimento, que só cabe quando a criança é pequena. "Depois, deve ser substituído por outras mediações. As pessoas têm que estar juntas não só pelo suprimento da outra, mas pela presença."

Isso também cabe para o dormir compartilhado. "A criança precisa criar o seu espaço e respeitar o do outro."

"Se eu estiver em casa, ela quer mamar o dia inteiro; nunca tomou leite artificial"

A pequena Zaya completa três anos no próximo dia 6 e anunciou que nesta data deixará de mamar no peito.

A mãe, a historiadora e doula Chenia d'Anunciação, 35, de Salvador (BA), não está lá muito confiante e se programa para mais um ano de aleitamento. "Até os cinco, não sei, não, mas, até os quatro, talvez eu ainda amamente."

Zaya foi amamentada exclusivamente no peito até os seis meses. "Era livre demanda, dia e noite."

Depois que voltou a trabalhar, Chenia tirava o leite pela manhã. "A noite, ela voltava a mamar no peito. Até hoje, leite só o meu. Ela nunca tomou leite artificial. Se eu estiver em casa, ela quer mamar no peito o dia inteiro."

A cama também é compartilhada. "Ela tem o quarto dela, mas adora dormir com a gente. Não vemos problema."

Já amamentar a noite é cansativo, diz Chenia. "Ela mama a noite toda. Fica pendurada ali, cantando: 'Teta, teta, tetinha'".

Chenia diz que enfrenta preconceito por ainda amamentar a filha. "A sociedade tem um pouco de aversão a criança pequena, quer que logo vire adulto. Mas se a gente consegue dar atenção a elas neste período e deixar as coisas fluírem, com o tempo, elas vão tomando o caminho delas, sem pressa."

"Não é tranquilo amamentar uma criança de 7 anos; existe um preconceito"

A advogada Fabíola Cassab, 35, amamenta a filha Paola há sete anos. Ambas negociam o fim do aleitamento, que já não é tão frequente. "Se ela sente que vai ficar doente, mama", diz a mãe, que coordena um grupo de mães chamado Matrice.

E até quando você pretende mamar, Paola? "Eu tava pensando de ir até uns oito, nove anos", diz a garota. A seguir, trechos do depoimento de Fabíola à Folha.

"Quando a Paola nasceu achei que amamentar seria fácil. Mas não foi. Ela chorava muito, não engordava, meu bico rachou.

Pretendia amamentar até os oito meses. Mas li vários artigos que diziam o quanto é bom para o desenvolvimento motor, intelectual e social a criança ser amamentada prolongadamente.

Quando ela tinha dois anos, pensei: 'Já que eu lutei tanto para amamentar e há tantos fatores que me encorajam, por que vou parar?'. Pensei que pudesse ir até uns cinco anos. Nunca imaginei amamentar até os sete. Mas acredito que toda relação chega ao fim naturalmente.

Ela não mama mais todo dia. Mas, se sente que vai ficar doente, mama, mama, mama. Para mim, o leite é mais uma questão imunológica do que nutricional ou emocional.

Não é muito tranquilo amamentar uma criança de sete anos. Existe um preconceito muito grande.

Na escola, já me questionaram e eu logo pergunto: 'Como ela está?'. Aí eles elogiam, dizem que ela está bem, escreve bem, lê bem.

Meu marido me apoia muito, eu não conseguiria ter dado esse passo sozinha. A amamentação prolongada não limita a minha vida. Viajo a trabalho, e a Paola também é uma criança superindependente, dorme na casa das amigas, faz festa do pijama em casa, enfim, é perfeitamente saudável."

"Fui muito criticada", diz Melissa, que amamentou dois filhos ao mesmo tempo

Na casa da família Sato, nunca houve berço. O quarto dos pais é território livre para os filhos desde o nascimento. De certa forma, o peito da mãe, Melissa, 32, também é.

O primogênito Samuel, 7, tinha três anos quando a mãe engravidou da irmã, Regina, 5. Mesmo assim, Melissa continuou amamentando o filho.

"Fui bastante criticada, diziam que todos ficariam desnutridos. Mas pesquisei bastante e me senti segura."

Regina nasceu em casa. Na época, a família morava nos EUA. Os irmãos dividiram o seio materno por um ano, até que Samuel desistiu do leite da mãe, aos quatro anos e três meses. "Ele já estava na escola e foi pedindo cada vez menos até parar de vez."

Regina mamou até os três anos, quando Melissa já gestava Dimitri. "Um dia ela pediu para mamar. Pegou o bico, mas logo soltou disse: 'ah, mamãe, não sai mais nada.' E nunca mais pediu."

Dimitri, hoje com um ano e meio, segue mamando quando bem quer. Livre demanda, como diz a mãe, que amamenta quase que ininterruptamente há sete anos. O menino também nasceu em casa, em uma chácara em Itatiba (SP) onde vive a família.

Com tanta experiência, Melissa se tornou consultora de amamentação e hoje atua orientando gestantes e mães.

Ela também sempre carregou os filhos pequenos em panos amarrados junto ao corpo ("slings"). Preenche todos os requisitos da chamada "criação com apego."

Ela e o marido Márcio, professor de inglês e espanhol, só veem vantagens no estilo de criar os filhos.

"Isso não quer dizer que não há limites. Aqui todos se respeitam, têm deveres."

Melissa também não vê nenhum drama no fato de os filhos dormirem, quando quiserem, no quarto do casal.

"Não vejo problema. Eles crescem e depois não precisam mais disso."

 Fonte: FOLHA.COM





quarta-feira, 16 de maio de 2012

Mamadeira e chupeta são principais causas de lesões em crianças, alerta estudo.


Os pesquisadores assinalaram as mamadeiras como a principal causa de lesões nos menores, com 65,8% dos casos, seguidas pelas chupetas
Foto de Reprodução

As mamadeiras e chupetas nas mãos e bocas das crianças podem parecer objetos inofensivos, mas são a causa de múltiplas visitas às salas de emergência todos os anos, de acordo com um estudo publicado na última segunda-feira (14).

Segundo o relatório do Nationwide Children‘s Hospital, a cada quatro horas uma criança com menos de três anos é tratada em uma sala de emergência devido a lesões relacionadas ao uso de mamadeiras, chupetas e copinhos com tampa.

"Estudos anteriores tinham focado em bebês. No entanto, descobrimos que cerca de dois terços das lesões examinadas em nosso estudo foram entre crianças de um ano de idade que estão aprendendo a caminhar e são mais propensos a cair", declarou à Agência Efe Sarah Keim, co-autora do relatório e pesquisadora do Nationwide sChildren‘s Hospital em Columbu (Ohio).

A pesquisa, que foi publicada na edição de junho da revista Pediatrics, chegou à conclusão que 86% das lesões aconteceram quando as crianças corriam ou caminhavam com o objeto na boca e que 70% provocaram alguma laceração.

De acordo com o estudo do Center for Biobehavioral Health e o Center for Injury Research and Policy do Nationwide Children‘s Hospital, que examinou lesões registradas entre 1991 e 2010, pelo menos 45.398 crianças com menos de três anos foram tratadas com lesões associadas a mamadeiras, chupetas e copinhos nos Estados Unidos.

Os pesquisadores assinalaram as mamadeiras como a principal causa de lesões nos menores, com 65,8% dos casos, seguidas pelas chupetas, com 19,9%.

Tanto a Academia Americana de Pediatria (AAP) como a Academia Americana de Dentistas Pediátricos (Aapd) recomendam a substituição da garrafa por copos sem tampa quando o menor tiver 12 meses a fim de prevenir acidentes e promover hábitos de alimentação mais saudáveis.

Também há a recomendação para que as crianças deixem a companhia da chupeta a partir dos seis meses de idade para evitar acidentes como esses quando começarem a caminhar.

Fonte:

http://www.nopoder.com.br/materias/15684/2/
Mamadeira-e-chupeta-sao-principais-causas-de-lesoes-em-criancas-alerta-estudo.html?fb_comment_id=fbc_10150892766289461_22437786_
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quinta-feira, 10 de maio de 2012

O que seriam doenças da infância?





Há uma sabedoria em identificar as doenças infantis dessa forma. A criança como ser mais integrado “corpo e alma” deverá passar por situações de crise “orgânica / física” como estratégia de crescimento. Ficar doente e ter febre gera uma desorganização corporal que possibilita a reorganização, ou seja, crescimento. 

Quando a tem que fazer a adaptação do sei ritmo biológico com sua rotina, ou seja, comportamento social pode surgir o adoecer. Esse é um dos motivos que isso faz pensar o porquê das crianças adoecerem quando começam a ir para escola. Será uma experiência grupal aonde a individualidade terá que conviver com a sociabilidade. 

O choque entre as necessidades pessoais e as demandas grupais pode gerar um conflito que se expressará na forma de doença infantil. E assim, depois de resolvido o conflito, geralmente por meio de febres, haverá um crescimento como ser social, adaptando-se a isto. Portanto, apesar do curto que o processo tem, me parece positivo.

Algumas épocas do ano são mais favoráveis às doenças, pois surge mais um elemento, o “clima”. Este solicita interações rítmicas da criança, como dormir, comer, descansar, que poderão entrar em choque com sua rotina.

Desta forma quando o clima muda, muda o ritmo, mas a rotina geralmente não. Para se adaptar pode surgir à expressão física do conflito: Adoecer!

Chamo a isso de dores da vida, pois faz parte do crescer.

Texto: Dr. Carlos Eduardo Corrêa (Cacá)

terça-feira, 8 de maio de 2012

Problemas da fala na criança

Rejane Rubino é fonoaudióloga e professora do curso de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Os pais olham os filhos sempre com muito orgulho. Na maioria das vezes, acham que eles têm desenvolvimento mais rápido e são mais espertos do que o das outras crianças. Mas, quando o filho apresenta alguma dificuldade para falar ou desenvolve essa habilidade mais lentamente, ficam ansiosos. Se essa ansiedade não é boa para eles, é péssima para a criança que aí, sim, poderá apresentar problemas em relação à fala.

O ser humano demora alguns anos para dominar perfeitamente o mecanismo da fala. Alguns o fazem mais depressa; outros, mais devagar. Não existe data precisa para determinar a normalidade desse processo que envolve uma série de aspectos orgânicos e psíquicos. Qualquer dúvida que surja a respeito do desenvolvimento da fala na criança deve ser esclarecida para evitar o agravamento da situação.
DESENVOLVIMENTO NORMAL DA FALA

Drauzio – Qual é o desenvolvimento normal da fala na criança, das primeiras sílabas até a formação de frases completas?
Rejane Rubino – Em termos de tempo, existe uma variabilidade muito grande. Aquilo que se considera normal não pode ser demarcado por um ponto fixo, mas por algo que comporta variação. Pesquisas mostram, por exemplo, que uma criança de 16 meses pode falar 150 palavras, enquanto outra da mesma idade não fala nenhuma palavra ainda, o que não significa que esta última apresente um problema de linguagem, porque a questão do tempo variável tem peso significativo.

É importante notar que inicialmente a criança produz vocalizações que são tomadas pela mãe e pelo pai como fala, quer dizer, a criança é interpretada como se fosse um falante antes mesmo de começar a falar.
Drauzio – Que tipo de vocalizações são essas?

Rejane Rubino – Essas vocalizações caracterizam-se pela emissão prolongada de uma vogal – aaaaa, por exemplo – ou até mesmo de sons que não serão produzidos mais tarde quando a criança for falante da língua. Depois, isso vai se transformando num balbucio que se caracteriza pela reduplicação de sílabas (babá, mamã), e que se aproxima da estrutura silábica da língua.
Drauzio – Essas reduplicações costumam ocorrer em que faixa etária?

Rejane Rubino – Elas estão presentes após os seis meses de idade. O importante é que o adulto vai tomá-las como palavras. Em geral, quando as mães dizem que o filho começou a falar porque nesse balbucio emitiu um som próximo de “mamã”, por exemplo, na verdade, ele ainda não está falando. No entanto, o fato de o adulto tomar aquilo como fala é fundamental para que ele venha a falar. A criança depende dessa interpretação para tornar-se um falante ativo.
Drauzio – Em que nível está a fala da criança com um ano aproximadamente?

Rejane Rubino – A partir dessa fala interpretativa que pai e mãe fazem, a criança vai tomando alguns fragmentos que irão reaparecer em situações parecidas às que foram faladas pelos pais. Portanto, a primeira fala tem natureza bastante imitativa. A criança repete fragmentos ditos pelo adulto que continua interpretando sua fala. Então, ela fala “nenê” e o adulto completa: “Você viu que nenê bonito?”. Esse movimento de tomar aquele pedacinho de fala e colocá-lo no contexto da língua imprime caráter gramatical à fala da criança. Esse processo de aquisição de uma gramática estruturada leva uns quatro anos, embora varie de uma criança para outra.
INTERFERÊNCIA DA ANSIEDADE PATERNA

Drauzio – Às vezes, os pais ficam aflitos porque a criança de um ano não fala e não sabem que isso pode fazer parte do desenvolvimento normal do filho, não é?
Rejane Rubino – Os pais, às vezes, comparam um filho com o outro e concluem que o mais velho na mesma idade já falava, embora nem sempre entendessem o que dizia, enquanto o menor não fala nada. Costumo dizer, quando isso é motivo de grande preocupação, que eles devem ser orientados, porque essa ansiedade pode dificultar ainda mais o processo da fala infantil, na medida em que passa para a criança a imagem de que deveria estar fazendo alguma coisa que ainda não consegue fazer.

Na clínica, é importante avaliar o modo como os pais falam sobre esse atraso. Às vezes, eles estabelecem relações entre essa demora para falar (que pode nem ser uma demora de fato) com outras histórias da vida da criança e da história deles mesmos. É importante trabalhar para que a ansiedade da família se dissipe e, se realmente houver um problema, começar o tratamento precocemente.
ORIENTAÇÃO AOS PAIS E CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO

Drauzio – Que tipo de conselhos você dá aos pais ansiosos e que critérios estabelece para diagnosticar um real problema de linguagem?
Rejane Rubino – Existem alguns fatores que precisam ser examinados. Muitas vezes a criança ainda não fala, mas mostra sinais de que a linguagem está se organizando dentro dela. Um exemplo é a maneira como ela brinca. Se não fala, mas pega uma boneca, coloca-a para dormir, tira-a da cama, finge que a alimenta e lhe dá banho, apesar do silêncio, a linguagem está presente. É como se houvesse uma espécie de narrativa, evidenciada por eventos encadeados. No entanto, se a criança não consegue estruturar uma brincadeira, pega um brinquedo e larga para pegar outro que também deixa de lado, os pais precisam ficar atentos a esse modo de reagir.

Outro fator a considerar é o efeito da fala do outro na criança. Se ela atende a fala de terceiros, não há motivo para maiores preocupações, o que não acontece quando reage como se nada do que ouvisse tocasse nela.
Há, então, elementos que se usam na avaliação de linguagem para diferenciar o atraso que requer atendimento da simples demora para falar, uma vez que é praticamente impossível fixar uma idade exata em que essa demora deixa de ser normal.

FALAR ERRADO
Drauzio – E aquelas crianças que falam de um jeito que só as mães entendem?

Rejane Rubino – Isso aponta para outro quadro que não é o atraso da linguagem. A troca de fonemas, por exemplo, que em fonoaudiologia é chamada de desvio fonológico ou distúrbio articulatório, é um desses casos. Em vez de falar “carro” a criança fala “calo”; em vez de “vaca”, fala “faca”. Além das trocas, pode ocorrer também a omissão de sons.
Embora esteja estabelecido que em torno dos quatro anos de idade a criança deva estar com o sistema de sons da língua adquirido e estabilizado, existe certa margem de variação dentro dos limites da normalidade.

Há pais que trazem a criança com essa idade, preocupados porque ela fala errado a ponto de as pessoas de fora não entenderem o que diz. Isso demanda análise cuidadosa para verificar que sons a criança não produz ou troca por outros a fim de determinar a necessidade de atendimento ou de esperar mais um pouco, pois ela está em fase final de aquisição da linguagem. Por exemplo: ela já fala razoavelmente bem todos os sons da língua com exceção do r duplo e dos encontros consonantais (fala “Basil” em vez de “Brasil”), em geral os últimos a serem adquiridos. Entretanto, mesmo antes dos quatro anos, pode ocorrer uma desorganização nos sistema de sons que merece o cuidado precoce do fonoaudiólogo.
Drauzio – Você poderia dar um exemplo disso?

Rejane Rubino – Há crianças que omitem sistematicamente os fonemas oclusivos velares, o /k/ de “cola” e o /g/ de “gola” e isso lhes causa incômodo e sofrimento. Lembro-me de que atendi uma menina cujo apelido era Cacá. Quando lhe perguntavam qual era seu nome, ela dizia A-á. As pessoas não entendiam, perguntavam de novo, ela repetia, mas não se fazia entender. A impossibilidade de dizer o próprio nome de maneira inteligível perturbava suas relações sociais. Num caso como esse, indica-se o atendimento mesmo antes dos quatro anos para evitar constrangimentos para a criança.
Ela se chamava Carolina e produzir o fonema /k/ fez uma enorme diferença em sua vida. O dia em que saiu da sessão falando Cacá, estava exultante. É através da fala que as pessoas se apresentam para o mundo. Não poder pronunciar corretamente o próprio nome é algo angustiante para a criança.

GAGUEIRA OU DISFLUÊNCIA
Drauzio – Tenho a impressão de que existem menos crianças gagas atualmente. Estou errado?

Rejane Rubino – Não saberia esclarecer a questão da frequência da gagueira, mas acho que é importante chamar atenção para o seguinte: certo grau de disfluência, ou gagueira, é normal na fala de todos nós e, muitas vezes, nem nos damos conta dele. Em relação à infância, há uma disfluência da fala descrita como normal que faz parte do processo de aquisição da linguagem e tende a desaparecer sozinha. Isso está relacionado com o momento em que a criança passa a produzir as próprias sentenças e tem de escolher uma palavra depois da outra. É como se estivesse diante de várias portas e estancasse hesitando por qual caminho deverá seguir. Isso não é ruim e mostra um movimento da criança na própria aquisição da linguagem.
É claro que o grau de disfluência varia de criança para criança assim como varia a preocupação das famílias. É freqüente pais levarem o filho ainda pequeno que gagueja um pouco para uma consulta com o fonoaudiólogo porque temem que ele seja gago.

Diante de uma hesitação normal, é preciso alertar os pais de que, se a reação deles for tranqüila, o problema da criança vai sumir naturalmente. Por que é importante dizer isso? Porque o modo como os pais lidam com essa fala disfluente pode criar uma autoimagem de mau falante na criança e levá-la realmente à gagueira. Quando ela começa a falar e para e o adulto interfere com dicas sobre a melhor forma de falar sem gaguejar (“pense a sentença toda antes de falar”, “respire fundo”, “fale devagar”), está brecando a fala da criança e criando uma tensão que ainda não existia. Por isso, é importante que os pais busquem orientação sobre a melhor forma de lidar com a disfluência dos filhos para não agravar um quadro que pode passar naturalmente.
Drauzio – A partir de que idade, os pais devem preocupar-se com a gagueira dos filhos?

Rejane Rubino – Eu diria que a partir dos quatro anos, aproximando-se dos cinco, porque nesse momento a criança percebe a própria disfluência e a reação que provoca nos outros.
A gagueira normal tende a diminuir a partir dos três anos e não incomoda nem inibe a criança. O problema começa quando ela evita falar em certas situações ou com determinadas pessoas e se recusa a pronunciar algumas palavras. Isso mostra que está criando mecanismos na tentativa de escapar da disfluência, o que agrava mais ainda o problema.

AVALIAÇÃO DOS FONOAUDIÓLOGOS
Drauzio – Em que os fonoaudiólogos se baseiam para dizer que determinado comportamento em relação à fala é normal ou merece cuidados?

Rejane Rubino – Sempre se inicia por uma entrevista com os pais na qual colocam por que estão procurando atendimento e contam a história da criança. Num segundo momento, o contato é com a criança. Há profissionais que optam por aplicar testes. Eu prefiro sessões livres e lúdicas. O material é gravado, transcrito e analisado para levantar erros e dificuldades que possam estar cristalizados, sintomas de um distúrbio que a criança apresenta e precisa de ajuda para superar.
Drauzio – Esses erros costumam ser sistemáticos ou aleatórios?

Rejane Rubino – Os erros da fala costumam ser sistemáticos, não no sentido de que sejam fixos, mas no sentido de que mostram uma sistematicidade própria da linguagem. Por exemplo, a criança que fala “faca” em vez de “vaca” vai trocar todos os fonemas sonoros pelos surdos. Ela vai falar “cassa” em vez de “casa”, “cato” em vez de “gato”, etc., porque isso é uma lógica própria do sistema de sons da língua. Nesses casos, não se trabalha com os sons isoladamente, mas com a oposição de sons surdos e sonoros, mexendo com todo o sistema fonológico da criança.
Drauzio – Isso pressupõe uma avaliação bem cuidadosa, não é?

Rejane Rubino – Bem cuidadosa. É preciso descobrir que sons são trocados, qual a relação existente entre eles, além de analisar outros fatores para escolher o melhor caminho para trabalhar com aquela criança especificamente.
LÍNGUA PRESA, LÍNGUA SOLTA

Drauzio – E os casos de língua presa, como são encaminhados?
Rejane Rubino – Aquilo que popularmente chamamos de língua presa, nada tem a ver com língua presa mesmo. Recentemente, foi publicada uma reportagem dizendo que o presidente Lula não tem língua presa, tem língua solta. Na verdade, o que ele, assim como outras pessoas têm, é uma projeção frontal da língua, resultante da flacidez ou hipotonia desse órgão. O ceceio característico de sua fala é provocado pelo mau posicionamento da língua, quer dizer, ela não fica contida no espaço nem na posição correta para assegurar o tônus adequado.

A língua presa, em contrapartida, está afixada na boca por uma prega que limita seus movimentos. Um bebê com língua presa pode ter dificuldade para mamar no seio da mãe, por exemplo. Por isso, às vezes, é necessário fazer uma pequena incisão para liberar os movimentos linguais.
Drauzio – Existem exercícios para reduzir os efeitos da hipotonia da língua?

Rejane Rubino – Existem, sim. Gostaria de ressaltar que o desenvolvimento da musculatura orofacial utilizada para a fala tem relação bastante próxima e forte com funções como sucção, mastigação, deglutição e respiração. Assim, o ideal seria o bebê mamar no seio materno, mas nem sempre isso é possível. Alimentado na mamadeira, é importante que ele faça força para sugar. Muitas vezes, preocupadas com o ganho de peso da criança, as mães cortam o bico e o leite jorra sem o bebê fazer esforço algum. Mesmo que o bico seja ortodôntico e o furo pequenininho, sugar no peito demanda força muito maior.
O movimento de sucção propicia o crescimento adequado das estruturas ósseas, das mandíbulas e desenvolve o tônus adequado da musculatura que vai ser empregada na fala.

O mesmo princípio deve ser observado na passagem para a alimentação sólida. Não é raro receber no consultório uma criança a quem a mãe só oferece alimentos macios e pastosos, apesar de já ter idade para aceitar a alimentação dos adultos. Às vezes, as pessoas perguntam: “Quer dizer que o modo como meu filho come interfere no modo como ele fala?”. Sim, interfere e muito.
Outro cuidado importante é observar como a criança respira. Se respira pela boca, é bom levá-la ao otorrino para uma avaliação, já que a respiração bucal pode estar relacionada com a flacidez da musculatura e língua mal posicionada.

APRENDENDO MAIS DE UMA LÍNGUA
Drauzio – Teoricamente, a criança nasce com uma circuitaria cerebral que permite aprender a falar qualquer uma das centenas de línguas que existem.

Rejane Rubino – Elas são capazes de produzir quaisquer sons, mesmo aqueles inimagináveis depois que aprendemos a falar uma língua.
Drauzio – E as crianças que têm pais de nacionalidades diferentes e aprendem duas línguas. Isso resulta em alguma desvantagem?

Rejane Rubino – Existem estudos que estabelecem certa relação entre a possibilidade de problemas de linguagem e o bilinguismo, mas já vi dezenas de crianças crescendo em situação bilíngue sem nenhum problema.
Alguns pais optam por colocar os filhos em escolas estrangeiras, porque acham vantajoso aprender mais de uma língua. Se a criança, porém, manifesta algum distúrbio de linguagem tal atitude pode provocar embaraços, uma vez que ela se vê diante de uma língua estranha quando nem domina a língua materna.

Fonte: http://drauziovarella.com.br/wiki-saude/problemas-da-fala-na-crianca/