segunda-feira, 20 de março de 2017

Crianças francesas apanham dos pais

Crianças apanham dos pais em todos os lugares do mundo, não é só na França. A ideia de que se pode ensinar limites e respeito através de castigo físico (principalmente para meninos) é comum. Se mostrar mais forte e causar dor ou sofrimento nas crianças: quando nos vemos no limite é isso que permeia o imaginário dos adultos no mundo todo. E às vezes não é só na imaginação. 

Constitui-se um modelo de preparação para a vida e para o mundo:

- Aprender a apanhar desde muito cedo, para perder o medo da dor! Reforço aqui : isso acontece principalmente para os meninos! Parece natural que adultos possam bater em seres socialmente incapazes e manipuladores.

Mas hoje não estamos propondo pensar aqui neste ou naquele modelo de criação.

A provocação de hoje vem na crista da onda, o que me parece estar mais na moda :
O de valorizar comportamentos "maduros" em gente pequena. E consequentemente elogiar os pais desses mini adultos! Enquanto uma legião de adultos passa pela vida sem reconhecer que uma das tarefas mais difíceis de gente grande é a busca - contínua e coletiva - pela maturidade. 

Ou seja: a maioria de nós não sabe o que é maturidade e busca conquistar "esta idade" com o tempo! Uma aquisição natural para determinada idade. A maturidade não é uma consequência, muito menos uma herança. É na melhor hipótese uma conquista!

Nessas últimas semanas foi divulgada uma notícia que trata da naturalização da agressão contra crianças, em países que muitas vezes servem de inspiração de conduta. Conduta nos melhores padrões de civilidade (segundo os que ditam boas condutas!). Como seria bom para nossa consciência limitada poder usar o filho de troféu, mostrando para a sociedade o exemplar trabalho que fazemos, quando aquela criança cumpre na tenra idade os protocolos que se exigem dela, não é mesmo? Que seres civilizados nos mostramos quando exibimos uma família sem conflitos! Todos exercendo sua tolerância e pseudo-potência diante do espetáculo que é estar em grupo. E minha família sabendo se portar!

Mas basta um piti em público para que se escancare aos olhos de todos a nossa suposta falência: meu filho não me obedece, então eu sou um pai ou mãe incompetente. Então eu falhei. Sou Impotente!

Na sociedade do produto, é inaceitável que nossos frutos deponham contra nós. É urgente que usemos - e naturalizemos - artifícios quaisquer para passar a imagem que queremos: adultos! sob controle! bem sucedidos! bons pais e mães! maduros! Embutidos do senso comum do que é maturidade! Sujeitos geralmente insatisfeitos e ansiosos ou deprimidos ou os três!

Mas somos maduros? Enquanto indivíduos ou coletivamente? Maturidade existe?

Todos aqui crescemos dentro das bolhas de privilégios que favoreceram nossas conquistas pessoais, como se fosse apenas mérito nosso, o lugar em que nos encontramos agora. Esquecemos que, a busca pela maturidade, pela consciência, é uma vivência processual, contínua, e jamais estaria exemplificada como forma de produto. 

Não é um sinal de falência ter filhos "mal educados". Ao contrário pode ser o primeiro sinal de que a salvação esta próxima! (hehehe)

Sinal de alerta é quando violentar os filhos fica banalizado. Vítimas da falta de maturidade dos pais e acima de tudo, da sociedade. Sinal de falência, é na idade adulta, não termos ainda acordado para a necessidade de um contínuo e coletivo processo de aprimoramento da nossa condição humana!

Essas crianças "mal educadas" que dão piti e incomodam vivem o estado de liberdade que fomos também ensinados a cercear. E quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é virar opressor, não é assim? Alguém que apanha, aprende a bater, alguém que bate, aprende a normalizar a violência.

Não existe educação de crianças para a maturidade, assim como não existe educação libertadora que coíba a manha de uma criança. As francesas podem não fazer manha, mas isso é sinal de falência social, cultural, global. É claro que se pudermos nos liberar do peso que nos foi imposto  por uma educação exageradamente conservadora já teremos dado um enorme passo.

Imagem: Public Domain Photos


Existe educação de si mesmo. Quando eu proponho a busca pela emancipação dos meus próprios sentimentos e práticas cotidianas, com foco na ampliação de vivências humanas - que passam por querer se jogar no chão e gritar até que alguém te pegue no colo e diga que tudo vai ficar bem, independente da idade que seu calendário natal aponta - eu me educo, e demonstro em mim essa busca. A tal maturidade !

Sem necessidade de bater em meu filho, para calar nele tudo aquilo que não aguento em mim.
Reflexo em mim de uma surra permanente neste pseudo civilizado adulto que quero ser!

Essa é uma baliza esquecida, e usada de forma tão equivocada, nas relações de todo tipo: respeito.

Da mesma maneira, respeito não se ensina, se pratica. O maior desafio na educação para o respeito, para a dignidade, para a maturidade e para a cidadania é deixar-se participar do ciclo de conquistas individuais e coletivas, em prol desse bem comum.

Diminuir a distância entre o que se fala e o que se faz, encontrando os pontos de convergência entre nossa bagunça interna e o caos que nos cerca. Esse é o exercício da vida adulta, que deveria estar longe de buscar nas crianças, seus índices de sucesso. É tudo muito difícil e pode demandar uma energia que não dispomos neste momento (ou não achamos dispor). 

Encontrar em nos mesmos esta borda, esse limite já é sinal de muita maturidade!