terça-feira, 24 de maio de 2016

Introdução alimentar, chiclete e muitos filhos


No consultório, uma roda de conversa se estabelecia sobre a introdução alimentar.

- A introdução alimentar nas variadas culturas do mundo está muito ligada à oferta de alimento daquela região - dizia o pediatra. No Brasil usamos muitas raízes. Cereal, já é mais um costume europeu. O que pode ser uma opção de alimento para um bebê de uma família, pode não ser para a outra.

Aquele pediatra não era muito de tecer julgamentos ou oferecer receitas, e sim de provocar reflexões que levassem cada família a encontrar seu ponto de confiança para as práticas do criar filhos. Algumas pessoas levantaram dúvidas sobre o baby-led-weaning (aquele método de introdução alimentar todo focado no protagonismo do bebê). 

- E o que nessa lógica poderia ser então uma boa opção de alimento para a introdução alimentar de um bebê? - perguntou para o grupo todo.
- Uma cenoura orgânica cozida?
- Isso. Ou crua também. Vocês sabem que o que a mãe come influencia no paladar do leite materno? Portanto o alimento que a mãe come pode ter alguma relação com o alimento que o bebê vai começar a comer. 

Alguém fez o favor de nos lembrar que muitas vezes, famílias tem mais de uma criança na mesa.

- E o que seria então interessante de deixar à disposição do bebê, no caso dele ser o segundo filho?
- A mesma comida do irmão?
- Isso. Pode ser. E se for o terceiro filho?

Uma moça meio desacreditada das teorias levantou a mão meio com medo dos julgamentos, e arriscou:

- Bubaloo?

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Essa moça era eu.

Eu tenho três filhos, sabe. E muitas vezes, nas rodinhas de conversa, nos debates de internet ou nos grandes alfarrábios de estratégias geniais para cuidar de filhos me sinto presa em universo paralelo. A palavra que me vem à cabeça? Impraticável. E olha que eu não sou de arrumar desculpa não, para falar a verdade tenho pavor de racionalizações. Mas fato é que o que se pratica idealmente com um bebê dificilmente é levado à cabo com o restante da prole. E o oposto, em termos de benefício, é verdadeiro também: é mais fácil parir um filho depois de um primeiro, ou segundo parto normal, por exemplo.

Eu sou ruinzinha de cuidar de bebê seguindo a cartilha do apego, olho no olho, entrega e alimentação orgânica, mas você precisava me ver corrigindo a pega da terceirinha. Foi um estouro de sucesso!

Não queria ser leviana, mas vou dizer uma piadinha infame cuja simbologia se repete na casa de quem tem filhos em série: 



Ainda que sim (sim!sim!), cada novo filho traga uma experiência inédita diferente, e emoções maravilhosas vindas das relações de afeto peculiares que surgem, há algo de ser calejado, preparado, escaldado, do segundo filho em diante. 

Não é qualquer coisa que nos abala, não é qualquer teoria que nos serve. E não conheço mãe nenhuma de muitos filhos que esteja apegada ainda às crenças que tinha na chegada do primeiro. Me parece que mães de várias crianças tendem a perceber que realmente precisam gastar energias com aquilo que importa. E quanto mais filhos, melhores vão ficando em entender o que exatamente isso significa. 

A práxis, um nome bonito para teoria colocada em prática, salva aqui em casa. Claro que sigo me informando e fazendo as melhores escolhas possíveis dentro das conjunturas que se apresentam. Apenas que, quanto mais filhos, mais desafiadoras são as conjunturas. E mais descolada a gente fica.

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Não se aflija.

O bebê não comeu Bubaloo de verdade, mas não foi por falta de tentativa do irmão do meio.
A introdução alimentar do terceiro teria começado aos quatro meses, sinceramente, se fossem apenas observados os sinais de prontidão - e o meu nível de tolerância a muito barulho e gritaria nas horas das refeições: ah!! mas tem coisas que só a ponta dura do pão italiano faz por um bebê gritão!

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Duas mães: assuntos da maternidade para além do sono ou colo

** Texto por Joana **

Ser mãe é extraordinário. Desde o primeiro dia de gravidez. Tudo muda de assalto e continuamente: o corpo, o lugar social e familiar, a intensidade das emoções, a organização do pensamento. E todas essas transformações são acompanhadas inevitavelmente de muitas dúvidas. 

Diante delas mergulhamos num mundo de informações sobre gestação, parto, amamentação, alimentação, educação... Existe uma infinidade de sites e palpites sobre todos esses assuntos, que prometem responder todas as perguntas e apontar os caminhos certos e principalmente os melhores: Pra que você seja a melhor mãe do mundo, seus filhos sejam perfeitos, geniais e principalmente capazes de ganhar muito dinheiro quando crescerem. Sim, assim que nascem os bebês já tem que ser competitivos!

Bom diante disso, percebemos que não queríamos esse mundo, esses conselhos, essa perspectiva. Então começamos a procurar pessoas, encontros - menos informação e mais troca de experiências. Primeiro encontramos a Caza da Vila, as consultas coletivas de gestantes organizadas pela Betina foram fundamentais para entendermos de forma singular meu processo de gestação. Essa troca criava um espaço possível de exposição das diferenças e semelhanças dos processos, que aos poucos ia gerando um lugar de cumplicidade muito delicado, potente e acolhedor. Éramos o único casal de mulheres do grupo e estranhamente esse dado não fazia assim tanta diferença. Graças a esse espaço consegui a segurança e o apoio necessário para fazer meu parto do jeito que eu queria. Cercada de amor e cuidado. Minha filha nasceu e eu renasci com ela. 

Achamos ingenuamente que o mais difícil tinha passado mas é claro que nossa nova vida tava só começando...

Dois meses depois tive uma mastite, nossa filha perdeu peso e de novo uma enxurrada de informações e conselhos protocolares nos assaltaram. Procuramos o Espaço Nascente e com Cacá reencontramos a escuta, um olhar atento, preciso e afetivo. As crises são muito reveladoras se a gente não foge delas. E de novo se não fosse pela vivencia de um espaço de troca acho que teríamos cedido às fórmulas e perdido a chance de olhar pra gente e pras transformações em curso. 

Agora nossa filha tem um ano e os desafios continuam! Dois meses atrás começamos a experimentar no Espaço Nascente, com Cacá, consultas pediátricas em grupo de famílias constituídas por duas mães. Esses encontros nos fazem pensar no tempo em que os conhecimentos eram passados de mãe pra filha, de avó pra neta, num tempo onde a ciência não era tão tirânica e que a intuição não era sinônimo de ignorância. A experiência da dupla maternidade por ser algo ainda novo, pouco experimentado parece que nos abre uma fresta para as sensibilidades singulares. Estamos apostando nesse caminho.

Fonte da Imagem : Etsy
Parece que este grupo de "mamães e papaias" pode ser um lugar para encontrar essa sensibilidade, um lugar de troca sobre os problemas gerais da infância e os problemas específicos da nossa condição de duas mães. Mas isso nos faz pensar que nem sempre é claro onde está a fronteira que cria as nossas diferenças, se um casal homossexual tem especificidades que merecem ser tratadas num grupo particular, etc. 

Por nossa experiência no encontro, entendemos que a maioria das nossas preocupações da dupla maternidade têm a ver com o futuro das nossas filhas, como elas irão ser recebidas na escola ou pelos amigos. Nossos assuntos específicos têm mais a ver com visibilidade e relação com a sociedade do que com os nossos problemas atuais de alimentação, sono ou colo.

terça-feira, 10 de maio de 2016

Padecer no Paraíso? Sai Fora!

Cada vez mais tenho visto bebês nascidos de parto normal e/ou natural usando complemento alimentar com dias de vida. Mulheres que conseguem parir após 1 ou até 2 cesáreas com bebês desmamados com apenas um mês porque não ganhavam peso. Mulheres que queriam amamentar, mas decidiram que não conseguiram em poucas semanas.

Que empoderamento é esse que morre rápido assim? Algo errado está acontecendo.

Eu sempre disse que atendimento neonatal humanizado não é uma técnica. Mas parece que continua sendo visto assim: basta não pingar colírio e não aspirar o bebê que esta tudo resolvido! "Pronto, foi humanizado!"

E então chega o pós parto e a abordagem humanizada se esvai na primeira dificuldade. A abordagem humanizada no pós parto tem contribuído para a construção de vivências plenas entre mães e filhos e fortalecimento da mulher, ou tem obedecido o status quo, que a coloca no papel eterno de incapaz?

Por favor me digam - onde está o favorecimento do empoderamento da mulher no puerpério? Qual é o papel do profissional de saúde à partir do nascimento do bebê? Cadê a escuta destes pediatras? 

Dar colo no pós parto deve ser coisa de doula pós parto, só pode!

Se cada vez que uma mulher pedisse uma cesárea durante seu parto ela fosse prontamente atendida, será que teríamos tantos partos naturais? Se cada pequena intercorrência no processo fosse imediatamente administrada com intervenção cirúrgica, o que seria do modelo humanizado?

Os grandes avanços no modelo de atendimento ao parto estão também incluem o pacto que se contrói durante o pré-natal. Que é baseado em muita ESCUTA.

Assim como no parto, o empoderamento da mulher no pós parto depende da possibilidade dela acreditar na sua capacidade. Assim como no parto, a mulher tem que querer e sentir-se capaz de amamentar. Assim como o parto é o aleitamento materno. Depende do querer e sentr-se capaz. E depende da atuação ativa da mulher em combinação com competência técnica e muita escuta por parte da equipe.

Quem acha que parto e aleitamento são eventos distintos não entendeu o processo histórico que interfere na condição de ser mulher e mãe. Construiu-se a ideia de que a mulher moderna "não é capaz de parir e amamentar". Parto e amamentação sofreram forte impacto da teoria da defectibilidade feminina inerente. Ou seja, a larga ideia de que mulheres são incapazes de nascença.

Isso sem dúvida favoreceu as indústrias que oferecem soluções para cada uma das incapacidades que criaram. Criam o veneno e vendem o antídoto, não é assim?

Video Obra de Alfredo Duke - Making Mother Mary


Os discursos de simpatia ao pós parto que reforçam a ideia de que "coitada, essa fase é tão difícil" só fazem colaborar com a teoria da incapacidade. A sociedade, a medicina e até mesmo a família, na minha opinião, não ajudam em nada (a mulher) quando atuam nesse discurso. Ajudam outras forças.

Empatia é compreender o pós parto como um evento natural, assim como as dores de parto, e acreditar na capacidade da mulher em viver isso e passar para uma nova fase. E não um apoio fragilizante, um culto ao "coitadismo". Para apoiar uma mulher no puerpério eu preciso compreender e aceitar suas delicadezas e dificuldades sim, mas também ter a certeza que apesar de difícil, é uma fase natural. E as mulheres podem lidar com isso.

Na lógica da amamentação como continuum do processo de parto, de trazer à luz uma nova vida, sabemos também que mulheres que tiveram cesáreas podem amamentar e mulheres que tiveram parto natural podem não amamentar. Todas as conjunturas são possíveis, e se estendem depois para a criação dos filhos. Se serão amamentados prolongadamente ou não, se irão cedo ou tarde ou nunca para a escola, e qual escola, se a família retomará suas atividades profissionais ou buscará mais momentos de convívio. 

Tudo é possível, e no meu ponto de vista, tudo é bom. Contanto que sejam vivências que nascem do empoderamento, das escolhas informadas. Desde que sejam vivências emancipantes para todos os envolvidos.

E é aí que o puerpério carece de observação cuidadosa: estamos fortalecendo a emancipação dessa filha que se transforma em mãe dentro das experiências múltiplas do rito de passagem, que inclui gestação, parto, puerpério e também amamentação? Ou a estamos convidando para o papel de vítima?

Olhamos essa mulher como alguém frágil, insegura e delicada ou como alguém vivendo um processo natural?

Para mim o papel do profissional que atua no parto e no pós é esse: fortalecer a emancipação através do caminhar junto. Oferecendo escuta e informação, mas respeitando suas decisões. E jamais duvidando da capacidade dessa mulher de lidar com o que se apresenta.

A incapacidade inerente da mulher moderna se apoia sem dúvida na glorificação do sofrimento da mães. Essa é a abordagem arquetípica da mãe na sociedade judaico-cristã. Mãe é "aquela que padece no paraíso". Simbolicamente, alguém emocionalmente destruída, mas que não aparenta. Um paradoxo. Na hora de acumular todas as funções da casa ela é uma super mãe, na hora de aleitar a cria, uma coitada que sofreu muito com a falta de leite. Esse perfil de mãe/mulher é extremamente útil para uma sociedade machista e consumista, que gosta de comprar a solução para os problemas, enquanto mantém sob controle a força de trabalho da mulher, alienando-a da construção de sua própria história e varrendo para baixo do tapete as questões que nos lembrem que: mães são humanas, e não símbolos de pureza e glória. 

Nem coitadas, nem heroínas. 

Penso que as mães são plenamente capazes de lidar com qualquer fase do processo de maternidade, assim como são os bebês. A abordagem humanizada é para olhar humanos. O profissional, a sociedade e a família ajudam no caminho para o empoderamento quando oferecem colo e apoio para as decisões, simples assim.

Padecer no Paraíso?
Sai Fora!

#MaisPresença: Cacá no Catraquinha

Para conscientizar a todos sobre a importância da presença dos pais nos primeiros momentos de vida do bebê e ao longo de toda a infância, o Catraquinha fomenta o debate à favor do aumento da licença maternidade e paternidade para todas as famílias com a campanha “Licença (M/P)aternidade”

Nesse vídeo você confere a entrevista com o Cacá, publicada em 27/04/2016

segunda-feira, 2 de maio de 2016

"Eu chorei amamentando"

Minha mãe sempre contou, com ares dramáticos, como eu mastigava seu peito ao invés de sugar, fazendo seus mamilos sangrarem. Desmamada, diz ela, recusei mamadeira e chupeta. Tomo pingado no copinho desde que aprendi a pegar e levar à boca. “Você era a sensação na padaria”. 

Sempre vi graça nessa história. Até engravidar. 

O Tomé nasceu no hospital em um lindo parto humanizado. Mas ali, na sala de parto, ele não mamou. Tentou, chegou a pegar o peito, mas não parava de chorar. Eu até fiz piada: pode reclamamar, filho. Reclamame, temos todo o tempo do mundo para você. Mas não rolou. No primeiro dia inteiro ele não mamou. À noite, ele vomitou mecônio e a enfermeira veio me acalmar. “Ele tem uma grande reserva de energia, fique tranquila, amanhã vai ficar tudo bem”. 

No dia seguinte veio a Andrea Santos, consultora de amamentação, fazer visita. Ela viu a pega dele, ensinou umas posições, ele mamou bastante e ficamos todos felizes. Foi um dia de mamação, conexão e emoção. Na manhã seguinte, eu estava deitada, com o Tomé estatelado em cima de mim, meio mamando meio dormindo, quando uma maldita enfermeira entrou no quarto e saiu me dando o maior sabão: "Quanto tempo faz que ele tá assim? Você não foi o-rien-ta-da? Seu filho tá te fazendo de chupeta! São 20 minutos de cada lado e depois ber-ço."

Eu estava em outro planeta e aquilo me deixou zonza. Não entendi nada, não entendi que poderia estar fazendo alguma coisa errada. Fiquei amuada. Ah se fosse hoje... eu teria tocado ela do quarto na porrada. Mas naquele momento eu estava meio desfeita, meio dissolvida, sei lá. Voltamos pra casa e um dia depois o leite desceu. Era uma sexta-feira e a Andrea veio em casa ver como estava as coisas. Estava tudo bem, Tomé mamando direito, leite à vonts, sem empedrar, uma beleza. O Tomé se revelou um mamão. Mamava por muito tempo e várias vezes, intervalos curtos, uma intensidade enfim. E as palavras da enfermeira ficaram ressoando em algum canto da minha cabeça. 

Meu filho estaria me usando? 

Fonte da Imagem: Etsy


Sorte que o Cacá ligou e perguntou como estávamos. Conversamos um monte, contei da enfermeira, ele falou falou, falou e eu achei que tinha feito as pazes com a decisão de amamentar em livre demanda. Mas meu peito começou a rachar. E tudo começou a ficar muito penoso. Eu pensava na cena que a enfermeira estragou, o Tomé estatelado em mim, eu totalmente relaxada, e não conseguia imaginar como aquilo tinha acontecido. Agora, amamentar era uma coisa que fazia com que meu corpo ficasse tenso, todo retorcido. Era algo que eu tentava encerrar logo. “Vai, acho que ele terminou”, e tirava o menino do peito. E ele reclamava. E eu voltava ele pro peito um pouco de má vontade, um pouco com pena, me sentindo um pouco culpada e um pouco usada. Tudo muito confuso. 

Na segunda-feira, pela primeira vez eu chorei amamentando. Então fui ver a Andrea. Ela olhou a mamada e chegou à conclusão que a pega estava errada. O meu temor se concretizou: assim como eu-bebê, o Tomé estava mascando meu mamilo. (Minha mãe, que no geral é ótima, super respeitosa e entendeu bem seu papel e vó e tal, mandou uma puta bola fora quando eu contei pra ela. Disse: “Háááá, puxou a mãe. Viu como é?”. Eu senti como se o Tomé estivesse servindo para ela se vingar da dor que eu causei nela. Fiquei puta, xinguei ela e falei, com o claro intuito de magoar, que ela não tinha me amamentado porque não tinha informação e não insistiu. Estávamos as duas erradas, é claro. Normal, acontece.) 

Enfim, a Andrea ensinou um jeito de ensiná-lo a mamar: ele ficava de cavalinho e eu empurrava o queixo dele para trás em todas as mamadas. Foi assim durante uma semana. A coisa foi se acertando, veio a consulta de um mês e ele tinha perdido peso para chuchu. O Cacá acalmou a gente e disse: deixa ele pendurado no seu peito. Ele deve estar querendo compensar os dias em que você regulou as mamadas por conta da dor. E assim foi, o bichinho passou a ficar pendurado em mim. “Alimentação permanente”, meu marido dizia, achando graça e fazendo carinho. Eu aprendi (ou melhor, achava que tinha aprendido) a fazer ouvido mouco para as “perguntas-palpites”, aquelas que disfarçam um julgamento. 

“Mas por que ele não mama normal? Por que fica sentado? Por que ele mama tanto? Você precisa regular os horários dele, se não ele vai tomar conta da sua vida! Seu peito não machuca? Mamando desse jeito, ele vai acabar esfolando seu mamilo.” 

Segunda-feira

A lua-de-leite durou uma semana. Na segunda-feira eu acordei com mastite. Com a queda na resistência, a candidíase mamária, que sempre esteve por ali, mas moderada, atacou com força total. No meio da manhã, eu explodi. Chorei que nem bebê, gritando. O meu marido ligou pro consultório do Cacá e protagonizou uma das conversas que viraram piada aqui em casa. 

- A Helô está chorando muito, não parou de chorar a manhã inteira, queria ver se a gente conseguia um encaixe. (silêncio) 
- Hãn? (silêncio) 
- Não, Helô é a mãe. 

A dor era tanta que eu não cogitava dar o peito pro Tomé. Mas era tanta que eu não sentia medo de que ela ficasse mais intensa. Então me fechei no quarto com um copo esterilizado e ordenhei os dois peitos, entreguei o copo pro meu marido e pedi que ele desse o leite pro Tomé. Foi outro marco. Ele ficou emocionado de poder alimentar o filho, ou apaimentar como eu prefiro. Chamou para a si a responsabilidade de dar leite pro Tomé sempre que eu estivesse cansada ou dolorida, e isso foi fundamental nos dias que seguiram. 

Fomos ao consultório do Cacá e ele e a Andrea confirmaram que era mastite, deram remédios e a recomendação: repouso total. Eu estava tão cansada, dolorida e fragilizada que repousei totalmente. Um detalhe: na semana anterior, eu tinha lido o livro da Laura Gutman e estava com ele na cabeça. Tinha achado ele meio over. Faço análise há dez anos e nutro (ou nutria) um pouco de preguiça dessa abordagem meio quase mística. 

Pois bem. 

Fonte da Imagem: Etsy


Terça-feira 

Dia de grupo de amamentação no Espaço Nascente, que eu frequentei por algumas semanas, religiosamente. Nesta semana o Cacá ia conduzir a conversa. E tinha pedido pra eu ir pra ver como a mastite estava. Eu fiquei o tempo inteiro ali quieta, à beira das lágrimas. Estava exausta e frustrada. O Cacá me perguntou, no meio de todo mundo, como estava minha situação. Contei a história e pela primeira vez notei que era tudo num peito só. O Cacá chamou a atenção para uma leitura possível, nem lembro da onde, de que cada lado do corpo simboliza um ramo da família, um lado é do pai e o outro da mãe. 

Eu voltei pra casa e enfiei na cabeça que ia decifrar esse enigma. O meu marido estava dando conta de cuidar da casa, de mim e do Tomé, então eu me permiti ficar quieta e mergulhar. Vou tentar descrever aqui a linha de pensamentos, é uma brisa, meio papo de maluco, mas vamos lá. 

Comecei pensando na história que abre esse relato. Sangue com leite. Isso tinha transformado a amamentação em uma coisa “nojenta” na minha cabeça. Leite com sangue, que nojo. Fui me entregando para essa ideia do nojo e percebi que sentia um incômodo quando escorria leite do meu peito - sentia nojo do meu leite jorrando. Comecei a tentar retraçar minha relação com meu peito e me lembrei que quando eles começaram a brotar, na adolescência, meu pai fazia uma “piada” que me deixava desconfortável: ele chamava meus peitinhos de “espinhas inchadas”. Espinha tem pus. Era leite, sangue e pus. 

Quando eu fui me levantar para receber uma amiga, senti uma dor absurda na virilha. Era um abcesso gigante. Na verdade eram dois, enormes e interligados. Pensei: meu corpo está me dizendo pra eu ficar quieta, deitada. Era impossível andar. Ouvi o recado e fiquei deitada por três dias (levantava só pra tomar banho). E me deixei levar pelas sensações que aquelas descobertas sobre a minha relação com o meu peito despertavam em mim. Fiquei triste triste triste, por perceber como meu corpo não tinha sido muito bem elaborado na minha cabeça adolescente. Fiquei angustiada, porque o meu peito doía demais e eu não conseguia pegar o Tomé no colo. Fiquei frustrada, porque amamentar deveria ser bom. Fiquei desmontada, porque tudo era desconforto. E fiquei entregue aos cuidados do meu marido, que me acalmava e me acolhia. Em algum momento, cheguei no meu limite e decidi: se até a semana que vem isso não resolver, vou parar de amamentar. É melhor ele tomar leite artificial e poder ser ninado, do que tomar leite materno mas não ter colo materno. 

Sexta-feira 

O Rafa tinha uma reunião de manhã. Ficamos sozinhos, eu e o Tomé. Eu só conseguia andar se afastasse muito a perna, tipo hipermanca. Fui assim até o banheiro trocar o Tomé pela manhã. E o abcesso rompeu. Não vou descrever, só digo que foi muito forte e era muito... sangue e pus. Foi doido e doído. Eram exatamente as coisas que vieram à minha cabeça quando eu tentei achar os meus obstáculos. Eu chorei de emoção e alívio. Sem a dor do abcesso, eu consegui perceber que não sentia mais a dor da mastite (afinal, estava tomando antibiótico e analgésico). E a dor da candidíase também havia melhorado. E meu espírito era outro. Tiramos o fim de semana para descansar os três bem juntos e recompor a harmonia da família. Finalmente eu consegui sentir prazer em amamentar e me entregar às longas mamadas. Finalmente - e graças ao muito apoio, muito apoio mesmo - eu consegui me entregar.