quarta-feira, 26 de outubro de 2016

"Que bom que ninguém sabe se é importante ou não aprender a escrever à mão livre."

*Por João Carlos Ferreira

Daniel Kahneman é um psicólogo que ganhou um prêmio Nobel em... economia. Ele escreveu um livro denso e excelente sobre como nós, humanos, funcionamos chamado Thinking, Fast and Slow (Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar). Quando me pediram algumas linhas sobre infância e tecnologia, o livro de Kahneman veio imediatamente à mente: o tema é quente, as opiniões são fáceis, mas as certezas não passarão de ilusões, nosso cérebro se convencendo de algo não provado e que não se pode provar.

Os extremos são fáceis de condenar. Uma criança que passe as tardes em frente à televisão (meu caso nos anos 1970), computador ou vídeo game pagará preços altos de saúde e socialização. Uma criança sem acesso algum à tecnologia terá um déficit de conhecimento e de capacidade de lidar com o mundo contemporâneo, talvez irreversível.

Qual então o meio do caminho aceitável? "Dosis sola facit venenum" (“Só a dose faz o veneno"), Paracelsus, dritte defensio, 1538.

Já li especialistas condenando o acesso a smartphones por crianças pequenas. Meu filho mais novo já deslizava o dedo na tela antes de caminhar. Aos cinco anos, ele assiste a cerca de 60 minutos de filmes (Youtube e Netflix) por dia e fica satisfeito, sai imediatamente para brincar com as ideias desenvolvidas ao assistir os vídeos.

Fonte da Imagem 

A formação de uma pessoa não é um evento repetitivo e de curta duração que nos permita apreender muitas regras absolutas por mera observação ou, mesmo, com sofisticados protocolos de pesquisa. Por isto, felizmente, no acesso à tecnologia durante a infância ainda temos um espaço privilegiado de experimentação, um espaço no qual pais e educadores podem atuar de acordo com seus valores e princípios, sabendo que não errarão muito, nem acertarão por completo.

E por que “felizmente”? Você já parou para refletir sobre quanto do nosso comportamento deixou de ser uma decisão individual e passou a ser uma imposição da sociedade? Do uso do cinto de segurança à idade de ingresso na educação formal, do leite pasteurizado ao conteúdo que se pode ter acesso, somos cercados por regulação abrangente e crescente. Que bom que ninguém sabe nos dizer o que acontecerá de diferente entre uma criança que passe duas ou quatro horas fazendo uso de gadgets por dia, que bom que ninguém sabe se é importante ou não aprender a escrever à mão livre. Aproveitemos esta rara liberdade das famílias escolherem seus caminhos.

Membro da International Coach Federation, capítulo São Paulo