terça-feira, 30 de agosto de 2016

Julgue Menos, Pense Mais, Dialogue Bastante


Uma mãe mexe no celular sentada na cadeira de um aeroporto enquanto seu bebê dorme em cima de um pano estendido no chão.

O chão do aeroporto pode ser mesmo um lugar muito sujo e inóspito para um bebê recém nascido. É realmente uma tragédia contemporânea o tempo que os adultos passam olhando para telas, e a distância emocional que isso anda ocasionando para as relações. Não há dúvida que os adultos precisam ser constantemente convidados a olharem seus bebês como pessoas completas, cheias de desejos e direitos que muitas vezes são ignorados e subtraídos. E nem vamos discutir o quanto um colo de mãe é saudável e desejável para bebês pequenos. Todas essas premissas são reais e corretas.

O que não é muito correto é, baseado nas premissas, traçar um julgamento moral de uma mulher, uma pessoa, apenas através da interpretação de uma imagem. O que a fotografia não conseguiu capturar é que aquela mãe estava há 48h no aeroporto, tentando voltar para casa sozinha com a filha, depois de passar por uma série de cancelamentos de vôos e tentar inutilmente auxílio na companhia aérea. A foto também não dava conta de dizer que ela também havia dormido no chão, e havia se levantado minutos antes, pegando o celular exatamente para tentar resolver o problema. A fotografia não conseguia registrar, enfim, nada que não fosse uma imagem passível de interpretação parcial de um evento cotidiano de um aeroporto.



Um grande grupo de pais conversa em um grupo de apoio para paternidade em torno de uma única criança que brinca na cena.

É fato que homens que tem filhos tem mais oportunidades de desenvolver seu projetos pessoais, do que mulheres que tem filhos, e isso se deve ao fato de que mulheres são mais responsabilizadas pelos cuidados com a criança. No geral, as mães são as cuidadoras principais, e nossa cultura insiste em colocar o pai como um ajudante com menor responsabilidade. De modo que, sim, é fato, se compararmos uma roda de mães a uma roda de pais, veremos um número maior de crianças na primeira, e, ainda, se compararmos as atividades pessoais que mães e pais de filhos pequenos desempenham, veremos que o segundo grupo sempre tem mais oportunidades de saírem sem os filhos do que o primeiro grupo. Todas essas premissas são fatos reais, e corretos.

O que não é muito correto é desqualificar a paternidade de alguns homens, baseado apenas no fato de que eles não estavam com os filhos no momento do registro que virou público. Pois o que a fotografia não conseguiu capturar é que havia mais quatro crianças na sala. Não conseguiu contar também a jornada agreste da esmagadora maioria dos homens que ali estavam, lutando contra sentimentos de abandono e violências variadas que sofreram na infância, por seus próprios pais, para através do diálogo tentarem fazer melhor, para os filhos. A foto também não contava do número de órfãos de pais naquela sala e nem tampouco tinha o poder de registrar o esforço individual que cada um daqueles homens fazia para sair da zona de conforto do futebol e da cerveja com os amigos, da zona da brutalidade e aspereza que é reservada aos homens, para abrir espaço emocional e lidar com questões em um grupo de iguais.



Não vou insistir que não julguemos. Fazer um julgamento é algo essencial para tecer uma consciência crítica sobre as coisas, algo que por sua vez é fundamental para reorganizar nossa existência, melhorar e fazer o bem. Poder viver um lugar aonde possam coexistir um juiz ,um promotor e um advogado,em linguagem figurada ,que dialoguem sobre a questão sem que um atropele os demais. Podendo perceber com mais clareza a questão observada, a partir dos 3 olhares.

Há também muito perigo em insistir que "não julguemos" uma vez que existe pouca disponibilidade para o debate democrático. O pedido de que não se julgue, pode ser ao mesmo tempo um silenciamento à crítica, e convenhamos, há muito o que se criticar quando falamos da vida adulta contemporânea. 

Mas vamos usar nosso julgamento para o discernimento e não para inferir, por puro desejo de controle do outro, sanções àqueles que julgamos. Não é assim que se faz justiça e nem é assim que se emite opinião. Sejamos gentis e inteligentes. Há uma diferença enorme entre opinar e desqualificar. Entre julgar e punir. Entre provocar reflexão ou procurar culpados. É necessário pensar, criticar, atuar intelectualmente e acima de tudo, dialogar democraticamente.Para viver isto ha necessidade de empenho diário. De exercitar internamente esta atitude, o que sabemos não ser fácil.

A vivência da democracia é essa: o exercício da convivência respeitosa, sem sanções injustas, com aquilo que julgamos ser errado no outro. Vamos fazer um esforço para tratar os outros do jeito que gostaríamos de ser tratados, mesmo que seja nos comentários das fotos nas redes sociais.