segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Entrevista com Cacá para o Diário da Região - Pediatria Humanizada na Revista Bem Estar




Hoje, o senhor é uma referência quando se fala em atendimento pediátrico humanizado. Na sua opinião, qual é o seu diferencial?

Quando se fala em atendimento humanizado está se falando de um modelo de atendimento baseado na escuta e na informação válida para aquela família. Envolve tempo e disposição para ouvir antes de falar. É natural para muitos médicos dispor de pouco tempo para uma consulta que trata tecnicamente uma questão de doença e não de saúde. O ensino médico, os planos de saúde e por vezes os próprios pacientes contribuem para esta visão. Romper com esse modelo não é fácil e se colocar a disposição para ouvir traduz o espírito do que é o atendimento humanizado.

O ganho que se tem em poder estabelecer um momento de troca é o maior presente.

O senhor trabalha com a construção da consciência da importância de se estabelecer uma relação de prazeres da mãe com seu bebê. O que seria isto na prática?

Se tornar mãe é imenso, é transformador, é mágico. Pode ser uma experiência de imenso prazer quando nos deixamos conduzir por este caminho. Poder se rever como ser humano, como cidadã e como mulher para reencontrar o significado da própria existência. O caminho interno é natural. Poder olhar seu bebê igualmente possível como um ser humano melhor, um cidadão melhor. Poder contribuir para a construção de um mundo melhor.

Não quero falar aqui de perfeição nem de certos e errados, mas sim de amor. Se estamos livres para viver este amor materno na sua plenitude esta relação de prazeres mútuos se estabelece naturalmente. Muitas vezes não é fácil chegar neste lugar, mas entendo que é possível e que o principal papel do pediatra é auxiliar nessa construção de uma relação de prazer. Por isso entendo que depende de muita escuta, pois as mulheres podem estar pressionadas a fazer a coisa certa que nem sempre é o mais amoroso para aquela família naquele momento. Poder optar pelo caminho amoroso é a melhor saída. E conseguir perceber esta possibilidade e seguir em frente garante mais prazer na construção de uma maternidade mais ativa e prazerosa.

Quantos anos de carreira o senhor tem? Tem uma média de quantas crianças já atendeu?


Tenho 27 anos de profissão e muito tempo como neonatologista e intensivista neonatal. Como pediatra de consultório 10 anos. Acredito ter atendido entre sala de parto, UTI Neonatal e consultório cerca de 10000 crianças. 

Desta crianças, tem algum atendimento que o senhor nunca esqueceu? Por que?

Lembro-me de vários atendimentos por varias situações. Em especial de um num PS público quando entrou no consultório o pai e a criança de 5 anos. Um senhor bastante simples e um menino com um olhar curioso. O pai parecia um pouco nervoso, talvez por estar no médico. Já era uma situação especial por ser raro o pai levar seu filho em consulta. E conforme conversávamos o olhar para seu pai daquele menino. A importância de estar havendo respeito mútuo entre eu, pediatra e aquele senhor. O menino observando esta interação entre o medico e seu pai e guardando internamente esse momento em que seu pai se sentia acolhido na consulta. Não sei se consegui transmitir quão importante, quão significativo foi para mim me dedicar a estar presente ali. E a beleza do olhar do menino.

O senhor coordena o Espaço Nascente. Como surgiu a ideia de criar este espaço?

Espaço Nascente surgiu num momento que senti que as famílias precisavam de um lugar acolhedor para esse novo modelo familiar onde a gestação, o parto, a amamentação e a criação com apego estão sendo revistos como novas possibilidades de construção familiar. Poder dividir essa experiência com profissionais que acreditam nessas possibilidades como um parto natural, e com famílias que estão nessa mesma busca. Sair do isolamento que esta opção pode gerar, já que não é comum.

Seu espaço conta com a musicalização para bebês, por exemplo. Me fale sobre os benefícios?

A criança é essencialmente sensorial e freqüentemente sem ritmo estabelecido. Construir uma relação de prazer com a musica, com os ritmos, explorar a possibilidade de gerar sons de diversas naturezas é uma delicia, principalmente na infância. Os bebês são grandes exploradores e buscadores de novas possibilidades e quando encontram prazer nesse caminho é muito mágico o que acontece.

O senhor também é um grande incentivador da amamentação. Por que? Na sua opinião, até quando um bebê precisa ser amamentado?

Amamentação quando está bem, quando houve o encontro corporal da mãe com seu filho é uma experiência de muito prazer mútuo. Como estamos falando desta possibilidade de uma experiência de prazer e não de uma mulher com obrigações como mãe, através da amamentação se inicia esse caminho. Não é fácil e tem muita chance de não dar certo pois tem muitos contras no caminho desta mulher. Seu leite é fraco! Você tem pouco leite! De novo no peito? Você vai ficar escrava deste bebe ! e tantas outras coisas que esta mulher vai ter que lidar para conseguir amamentar. Poder ajudar a achar um jeito que seja bom para ela e para seu filho é o principal trabalho do pediatra. A mulher e o bebe devem mamar enquanto estiverem vivendo este momento de prazer mutuo que pode durar 2 anos ou mais. Não tem que durar este tempo, mas pode ir ate lá.

Por ser um neonatologista, o senhor também incentiva o parto humanizado. Como preparar as mães num país conhecido pelo alto número de cesáreas?

A experiência de viver um parto ativo é maravilhosa e transformadora. Se descobrir capaz de gestar, parir e nutrir podem ser a experiência mais mágica da vida desta mulher. Eu recomendo sim! Saber escolher uma equipe favorável ao parto natural e que prepare no pré natal esta família para viver esta experiência é fundamental para dar certo. Na sala de espera deste profissional deve haver mulheres que tiveram este parto e podem falar dele. Durante a consulta este assunto deve ser tratado em todas as consultas O profissional de parto que faz parto normal e natural costuma desmarcar consultas já que parto é imprevisível

A mãe tem uma ligação intima com o bebê desde a gestação. Neste cenário, qual é o papel do pai?

O papel do pai é ser pai e não ajudante de mãe. É também se transportar para este novo lugar e se transformar como ser humano e cidadão. Poder estar presente nos vários momentos desde o parto ate a idade mais adulta de seu filho, acolhendo esta criança nas suas constantes experimentações da vida. Na alegria e na tristeza. Na saúde e na doença.

Não tem um jeito certo, um modelo ou uma técnica. O que tem é que se arriscar e estar presente dando banho, trocando fralda, atendendo seu filho de madrugada. Assim se constrói a paternidade de forma mais ativa.

A escolha do pediatra para alguns pais não é uma tarefa fácil. Qual dica o senhor dá para os pais de Rio Preto nesta hora.

Me formei em Ribeirão Preto e conheci muitos pediatras que me ajudaram a decidir qual caminho seguir. Sei que Rio Preto tem uma boa escola de maedicina e que conta com excelentes profissionais. Encontrar um profissional que troque informações que lhe façam sentido e que tenha escuta é o melhor caminho.

O senhor indica consultas pediátricas em grupos familiares. Como funciona? Quais são os benefícios?

A consulta em grupo é rica em trocas e possibilita discutir vários assuntos, inclusive questões que nem tinham sido pensadas por alguns dos presentes. É uma situação de muita troca e possibilidade de empatia por perceber que as questões em varias famílias podem ser parecidas. Geralmente são 6 familias que trazem perguntas e vamos conversando sobre elas, por mais ou menos 2 hs. Depois examino cada criança.