segunda-feira, 27 de junho de 2016

Medo de cuidar

Um bebê pequeno desperta na gente uma série de emoções. É muito surpreendente acompanhar o nascimento da vida, a gênese da existência. Surge uma força de cuidado e proteção, que talvez pudesse ser explicada pela nossa programação para sobrevivência da espécie. Nasce um ser delicado e dependente que mexe muito com os adultos ao seu redor.






Mas também não precisa ir muito longe:  um filhote de cachorro pode ser alvo de olhares de afeto e atenção. E há quem conte ter preservado a lagartixa de uma vassourada apenas porque ela era um bebê.

Fato, a gente sente coisas inexplicáveis quando se trata de um filhote.

Os filhotes humanos nascem frágeis, é bem verdade. Como os marsupiais que dependem dos genitores após a saída do útero.

Há um desejo de proteger, fazer vingar, preservar. Mas que dentro do universo dos cuidados com bebês na contemporaneidade caminha na fina linha entre o cuidado e o controle.



Os desejos de cuidar bem de um bebê podem se desenrolar para sonhos de perfeição: qual é o jeito certo de fazer dormir? A maneira perfeita de fazer a introdução alimentar? A melhor fralda do mundo? A posição correta no sling? 

É claro que todos queremos o melhor para nós, para os pequenos e para o mundo. Isso não está em discussão.

Mas é preciso buscar o lugar interno onde caminhamos em paz no trato com as crianças. O cuidado desperta amor e afeto, do cuidar nascem os vínculos.  Enquanto o controle é terreno fértil para a paranóia e o medo. 

E medo nos afasta. Nos paralisa.


Há muitas formas de fazer o bem, fazer o melhor, tomar boas escolhas e cuidar gentilmente e com afeto de nossos bebês sem que as escolhas sejam baseadas exclusivamente no medo de perdê-los ou prejudicá-los.

E é extremamente necessário ter consciência de que existem muitos discursos sobre o cuidado de bebês que - em nome de "melhores escolhas" - são construídos a partir do medo.

E, não surpreendentemente, muitas vezes arraigados em interpretações de pesquisas com ares de ciência. Porque há muitas abordagens médico-científicas que atuam exatamente assim, estimulando medo. Difundindo que ha um risco de perda e morte continuamente e que esse ou aquele jeito de cuidar os afastam.



Tomem por exemplo a cama compartilhada. Haverá sempre quem opte por não dormir com seu bebê por uma única razão: medo.

Oras, a cama compartilhada facilita a amamentação, promove vínculo e é narrada como uma experiência prazerosa para tantas pessoas! Eu sinto desejo de passar por essa experiência, parece certo para mim e mesmo assim eu escolho não fazê-la? Não porque não me parece adequada. Mas porque em mim está instalado o medo. Que pena.



Outro exemplo é o carregamento de bebês no Sling. Atualmente um espaço vivendo uma tentativa de controle. Em nome de boas práticas supostamente apoiadas na ciência - está acontecendo a criação de um manual de regras construído no medo.

Medo de sufocar o bebê, medo de estragar suas pernas, medo de alguém dizer para mim que eu estou fazendo errado. Acreditem se quiserem, tenho reparado no consultório que coisas básicas do cuidado com bebês - como um banho de balde, um momento de sono compartilhado ou um carregamento no colo estão tão permeados de regras e ameaças que muita gente prefere nem tentar. 

Que oportunidades estamos perdendo?
Quando é exigido treinamento, técnica e seguir regras para validar as vivências? Estamos fazendo curso para viver. Ou o que é o pior. Nao podemos experimentar para poder decidir.

As relações são construídas também no não saber as coisas. Os bebês e seus pais crescem juntos, e a vida é aquilo que acontece entre uma teoria e outra. 

No fazer de um jeito em um dia e diferente no outro. No tentar e tentar outra vez. Mudar de lado, mudar de cama, mudar de posição. 



Permitamos-nos aprender pelas vivências. Confiemos nos vínculos e na vida. E estejamos atentos para escolher o que é melhor para nossos filhos através também das nossas vivências.

É preciso sabedoria para distinguir o que é o cuidado através do afeto. E o que é uma tentativa frustada de controle, através do medo. 

Não tenhamos medo de cuidar. 





Todas as imagens dessa postagem são do livro Baby-Gami, uma publicação poética que trata dos casulos, amarrações, carregamentos e enrolamentos de bebês com panos e sacola de papel ;)