segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Cinthia Dalpino, mãe da Eva


Fui buscar a Eva na escolinha.
Desde que ela começou por lá, há 1 mês e meio, eu a levava pela manhã, e meu marido a buscava no meio da tarde. Mas ontem ele estava doente e fui eu buscá-la.

Quando cheguei, ela veio correndo (cambaleante) em minha direção e me deu um abraço, logo procurando o peito. Sentei na areia, com as outras crianças, e enquanto ela mamava, todas as crianças do maternal vieram em nossa direção. Olhei na mão de uma delas, preta feito carvão, e brinquei: ‘andou brincando com que?’, e ela respondeu ‘foi a Eva que inventou’. E todos repetiram que tinha sido a Eva a autora da arte.

Foi aí que vi a mão da Eva. Era a palma da mão mais escura e suja que eu já tinha visto na vida.

Parei por alguns milésimos de segundos e olhei para minha filha. Como ela, com 1 ano e 3 meses de vida, poderia ter inventado a nova brincadeira? E de que raios eles estavam falando, com tanta cumplicidade?

Tentei relacionar os fatos, mas logo entendi o que se passava. A grande amoreira que ficava bem no meio do parque, onde os maiores trepavam, estava dando frutos. Pequenas amoras cor de vinho, que a Eva pegava e apertava com a mão até sair suco. E todos faziam igual.

Voltei no tempo, para o primeiro dia dela ali, um mês antes, quando eu chorava copiosamente vendo aquela pequena bebê indefesa no meio do parque. Como toda escola Waldorf, os pequenos se misturavam com o maternal e jardim, fazendo aquela mescla de idades que me apavorava, já que ela mal conseguia andar, que dirá desviar das perigosas balanças, crianças que desciam das árvores e pulavam do escorregador.

No primeiro dia dela, eu quase desistira de deixá-la na escola. Eu via aquela experiência como jogá-la numa selva de predadores. Pra piorar, o berçário ficava no segundo andar, e eles aprendiam a descer e a subir a escada sozinhos.

No segundo dia, tentei ter mais empatia pelo lugar, mas fiquei deprimida quando vi que ela brincava sozinha e achei que ela estava triste por não ter sido acolhida pelas outras crianças.

No terceiro dia, uma mãe, terapeuta, me acolheu. E que bom que isso aconteceu. Ela me fez perceber que eu estava transferindo os meus medos, que eram só meus, para Eva. Me fez perceber que minha filha não tinha apenas 1 ano. Ela JÁ tinha 1 ano. Que aquele parque que eu chamava de selva, era o lugar que ia permear os sonhos dela por um bom tempo. E que brincar sozinha era a experiência mais enriquecedora do mundo. SE eu deixasse.

Naquele dia, chorei bons litros de água. Porque percebi que agia por amor quando eu não deixava que ela se aproximasse da escada, mas também agiria por amor, se eu a ensinasse a subi-la com suas próprias pernas. E era hora de entender isso.

Então, quando vi aquelas crianças ao redor da minha filha, me contando que ela tinha inventado a brincadeira das amoras, percebi o quanto tinha sido enriquecedor permitir que ela visse o mundo com seus próprios olhos.

E lembrei daquele verso, escrito por Khalil Gibran, que diz:

“Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável”