terça-feira, 23 de maio de 2017

O Choro do Bebê : Cólicas e tudo mais que podemos revelar

Hoje vamos pensar um pouco sobre o choro do bebê.



Desde que comecei a trabalhar com bebes saudáveis em alojamento conjunto entendi que não bastava treinar a equipe para falar de aleitamento materno. O choro do bebê era o tópico mais importante, pois o que levaria ao uso de chupetas, outros leites, mamadeira ou não acreditar na própria capacidade de amamentar seria o choro do bebê. Portanto conversar sobre como lidar com esse choro e que chorar não significa sempre fome era o nosso desafio. Poder dizer para as mulheres que elas poderiam dar conta do bebê era (e ainda é!!!) nosso maior desafio.

Bebês choram. E podem chorar muito! Por muitas vezes nós adultos cuidadores nos vemos ansiosos por uma explicação para a razão de tanto choro, do alto da nossa crença de que choro é sinal de coisa ruim. A justificativa mais aceita para o choro do recém nascido são as cólicas. Seriam aquelas crises de choro inconsolável, onde o bebê demonstra muita irritação, contorce o corpinho. Aceitamos com mais naturalidade o choro do bebê se ele for justificado por algum tipo de dor.

- É dor mesmo, agora eu sei , pois ele esticava as perninhas e se retorcia todo.

Infelizmente é muito difícil definir se é ou quando é dor mesmo. Acho bonito e importante tentar fazer uma leitura mais corporal do bebê, mas contamos com uma grande dificuldade. Geralmente não sabemos muito sobre o bebê.

Conhecemos que um bebe nos seus 2 a 3 meses tem um repertório motor limitado pelas respostas reflexas e não voluntárias. Quero dizer com isso que bebes que se esticam e jogam a cabecinha para traz estão repetindo o que fazem (ou deveriam fazer) no trabalho de parto. Esse movimento está no repertório motor dos reflexos e não da consciência deste bebe.

O que não afirma e não impede que esteja vivendo algum incomodo. Mas nos faz pensar que é um tanto mais difícil observar e relatar o que esta acontecendo nos primeiros meses de vida.

Vamos ler um pouquinho do que diz a Sociedade Brasileira de Pediatria sobre as cólicas do lactente: 

Cólicas do lactente 

Departamento de Aleitamento Materno da SBP

A cólica do bebê é transitória e aparece geralmente na segunda semana de vida, acabando em torno do quarto mês, em uma criança saudável. A cólica pode durar até três horas por dia e normalmente acontece no final da tarde ou à noite. Além do choro, o bebê fica irritado e agitado.

Como diferenciar o choro por cólica do choro de fome


O bebê chora por diversas razões: fome, frio, sono, calor, dor, incômodos por fralda molhada ou apertada ou até porque quer aconchego e carinho. Com o tempo, a mãe vai aprendendo a identificar o motivo de choro do seu bebê. No entanto, a criança que chora por fome se acalma assim que mama. Isso não acontece quando o choro é por cólica.

Como evitar as cólicas

Tente manter a calma e lembre-se que as cólicas acontecem em um bebê saudável e que vão passar em poucos meses. A ansiedade da mãe não ajuda a acabar com a cólica, mas algumas ações podem amenizar a dor:

- um ambiente tranquilo e uma música suave ajudam a relaxar mãe e filho;
- um banho morno também ajuda a descontrair;
- movimentos nas pernas do bebê, como “pedalar no ar” podem auxiliar a eliminar o excesso de gases;
- massagem na barriguinha do bebê, sempre no sentido horário, mobiliza os gases;
- compressas mornas na barriguinha com toalhas felpudas passadas a ferro têm efeito analgésico (teste antes o calor da toalha em sua própria face).

Porém, o mais importante é ter paciência para acalmar o bebê, aconchegando-o no colo, barriga com barriga, ou apoiado de bruços na extensão do antebraço dos pais.

Oferecer chá ao bebê não acaba com a cólica e pode prejudicar a amamentação. 
Remédios “contra gases” têm pouca eficácia.



Relação entre cólica e dieta materna


As causas das cólicas do primeiro trimestre não são bem conhecidas, mas parecem ter relação com uma relativa imaturidade do bebê; e vão melhorar com seu crescimento, sem deixar sequelas.

A alimentação materna como possível causa da cólica ainda é controversa. A cólica pode ocorrer tanto em bebês amamentados no seio quanto naqueles amamentados com leite de vaca (fórmulas). Entretanto, existe a possibilidade de alguns alimentos (leite de vaca, soja, trigo, nozes) passarem para o leite materno e provocarem cólicas. No entanto, esses alimentos só devem ser retirados da dieta da mamãe caso as cólicas estiverem associadas com outros sintomas gastrintestinais que indiquem alergia alimentar, como a presença de rajas de sangue nas fezes do bebê.

Ao primeiro sinal de sangue nas fezes do bebê, seu pediatra deve ser consultado imediatamente.

E lembre-se, o ideal é prolongar ao máximo o aleitamento materno porque o leite de vaca tem alto poder de causar alergia.



Para mim entendo que a SBP conta que cólica existe e é comum nos primeiros meses e vai passar. Não se desespere pois vai passar!

Nesse momento tive uma percepção de quantas vezes eu tentei em vão dizer que o choro com hora marcada, geralmente final da tarde, começo da noite não deveria ser de dor física, já que dor física não tem horário para acontecer. Será que ajudei ou atrapalhei tentando desfazer o mito da cólica do bebe, e não deixando algo que preenchesse este lugar?

Por mais aceitável que a justificativa de cólica nos acalme como adultos, nem sempre o bebê chora de dor. Bebês choram e podem chorar muito. Ressignificando as experiências do choro e tentando encontrar mais disponibilidade para rever nosso conjunto de crenças podemos observar o choro como forma de comunicação do pequenino humano, que trava sua própria jornada de adaptação à vida extra uterina.

Lendo este texto da SBP que valida a percepção dos pais que se trata de uma cólica e portanto merece compressa quente e massagem senti que poderia me aproximar mais destes pais que devem estar bem assustados com este bebe que chora tanto. Porem me ficaram algumas duvidas como se merece um uso de remédio já que o choro é cólica (sabemos de uma longa lista de remédios utilizados por mães de bebês nos primeiros meses por conta de cólica e que a maioria não terá muita eficiência). Vou então buscar outras referencias sobre o choro do bebe.

Vamos ver um trecho sobre o choro da Enciclopédia sobre desenvolvimento da primeira infância

Qual é sua importância?


O choro é um meio de comunicação importante que os bebês dispõem no início da vida – do nascimento aos 3 meses de idade. Nesse estágio de seu desenvolvimento, os bebês são quase inteiramente dependentes de cuidadores para atender suas necessidades. Consequentemente, o choro na infância pode assumir um papel importante para garantir a sobrevivência, a saúde e o desenvolvimento da criança. 

A quantidade aumentada de choro entre bebês saudáveis no mundo ocidental é atualmente reconhecida em todos os bebês nas primeiras semanas de vida, isto inclui chorar por períodos prolongados de tempo sem nenhuma razão aparente, uma característica praticamente única dos primeiros meses de vida. De fato, não é incomum que um bebê normal chore entre uma e cinco horas por dia, com um pico nos dois primeiros meses de vida.


Em menos de 5% desses bebês existe alguma evidência de doença orgânica que ajude a explicar o aumento de ocorrência de choro. Além disso, o choro prolongado ocorre a despeito da ótima qualidade dos cuidados parentais. Felizmente, depois dos cinco meses diminuem os períodos prolongados de choro inconsolável, o choro torna-se mais intencional e mais relacionado a eventos ambientais.


No entanto, o choro persistente, principalmente quando associado a problemas de sono e de alimentação que persistem depois dos quatro meses, muitas vezes em contextos que envolvem múltiplos fatores de risco psicossocial dos pais, pode ser preditivo de desenvolvimento social e emocional insatisfatório do bebê. 


O que sabemos?


Todos os bebês choram, mas grande parte desse choro é inexplicável. As explicações geralmente atribuídas ao choro do bebê são dor, fome, raiva e tédio. O aumento de choro excessivo inexplicável nos três primeiros meses em bebês que, à exceção disso, são saudáveis, é frequentemente denominado “cólica infantil”. Dependendo da definição, diz-se que a cólica afeta cerca de 10% a 20% dos bebês nessa idade. Uma característica evidente é que a cólica tende a seguir um padrão de aumento nos dois primeiros meses, chegando a um pico em seis semanas, e normalmente diminuindo aos 4 ou 5 meses de vida. No entanto, esse padrão aplica-se a todos os bebês, quer seu choro seja ou não considerado “excessivo”, e é reconhecido atualmente como a “curva normal do choro”. Durante esse período, os surtos de choro podem ocorrer sem razão aparente, são difíceis de acalmar, e muitas vezes duram em média entre 35-40 minutos, ou até duas horas. Ocorrem em geral no fim da tarde ou no início da noite.

Frequentemente, afirma-se que bebês cuja inquietação persiste no decorrer da primeira infância, ou piora depois dos quatro meses, têm temperamento difícil. Pode não ser fácil diferenciar o choro relacionado à cólica infantil do choro relacionado a temperamento difícil. A principal diferença é que, nos episódios de cólica, os surtos de choro diminuem com o tempo, ao passo que em bebês com temperamento difícil, o aumento da inquietação persiste durante a primeira infância e até posteriormente. Embora o choro devido a temperamento difícil possa às vezes ser modificado, essa característica de temperamento é frequentemente estável no decorrer da vida, e tem bases constitucionais e hereditárias.


Consequências positivas:


O choro excessivo nos primeiros meses de vida pode provocar frustração e estresse na família. No entanto, há consequências positivas associadas ao choro. Uma delas é a constatação de que o choro permite aos bebês construir relacionamentos íntimos com as pessoas que respondem mais confiavelmente a suas necessidades. Dessa forma, o choro pode ser fundamental no desenvolvimento de um vínculo emocional ou “apego” em relação a determinado(s) cuidador(es). 


Consequências negativas: 


Muitos estudos sobre bebês que apresentam episódios de cólicas demonstraram de forma convincente que, no longo prazo, não há consequências negativas para os bebês. A maioria dos pais não demonstra conseqüências negativas, mas para alguns persiste uma falta de confiança em suas habilidades como cuidadores e têm maior probabilidade de considerar seus bebês como “vulneráveis”. No entanto, bebês com temperamento difícil têm maior probabilidade de vivenciar diferenças no longo prazo. Bebês inquietos e difíceis de acalmar têm maior probabilidade de aumento de risco de problemas comportamentais na pré-escola, dificuldades de ajustamento na adolescência ou comportamento agressivo e dificuldades de atenção.

A interpretação da mãe sobre o comportamento de choro pode ser afetada pela depressão materna. Quando ocorrem juntos, a depressão materna e o choro excessivo ou devido a cólicas podem afetar as interações pais-bebês, seu relacionamento, e até mesmo os resultados de desenvolvimento da criança. A depressão materna influencia negativamente alguns aspectos do comportamento e do desenvolvimento do bebê, principalmente em relação à dificuldade para acalmar-se, à irritabilidade e ao choro. 


As consequências mais extremas para um bebê que apresenta choro inconsolável são negligência e abuso, especialmente a Síndrome do Bebê Sacudido (Shaken Baby Syndrome), que por vezes resulta em danos cerebrais ou mesmo morte. 


O que pode ser feito?


O significado do choro inicial muito frequente, excessivo ou devido a cólicas na infância evoluiu: da crença de que era anormal ou indicava doença/disfunção para o reconhecimento de que o choro excessivo é parte normal do desenvolvimento do bebê humano. Os clínicos devem conscientizar-se da importância do choro para os pais, de como pode ser frustrante e de como pode afetar seu relacionamento com seus bebês.

Ao ajudar pais cujos bebês choram excessivamente, devemos garantir-lhes de que a maioria dos bebês que choram muito é normal, e de que o choro imprevisível, inconsolável, em geral desaparece espontaneamente depois das primeiras semanas de vida. Intervenções que visam consolar bebês que choram são apenas parcialmente bem sucedidas e não reduzem os surtos de choro inconsolável. É importante reconhecer também que diferenças no próprio som do choro podem afetar a reação do cuidador. Devemos ser particularmente sensíveis a cuidadores que vivenciam depressão ou outras experiências que podem alterar sua organização perceptual. 

Intervenções e informações de saúde pública devem ser rigorosamente avaliadas antes de serem recomendadas como técnicas para lidar com o choro de bebês. Deve-se tentar criar serviços eficazes, com boa relação custo/benefício, para atender às necessidades de famílias com crianças pequenas. 


Redução da Síndrome do Bebê Sacudido


A Síndrome do Bebê Sacudido é uma resposta extrema ao choro infantil. A redução na incidência dessa síndrome pode ser conseguida por meio de programas educativos de saúde pública oferecidos precocemente, até mesmo antes do nascimento do bebê, na tentativa de aumentar a compreensão dos pais sobre o choro normal, seus padrões na infância, e de que formas a frustração provocada por esse choro pode levar a reações inadequadas como sacudir ou machucar o bebê.


Percebo nesta abordagem uma certa resignação ou aceitação do choro dos bebes no começo da vida como natural. Mas fica uma certa apreensão sobre o risco de permanecer e significar algo mais grave , o que é exatamente a questão dos pais vivendo este momento. Vale a pena reforçar que é natural do bebe pequeno e que o choro não qualifica o cuidado materno e paterno. Vai acontecer independe da qualidade do cuidado. Mas é mais fácil de lidar quando os pais estão mais tranquilos. Novamente não se fala em medicação para lidar com esse choro !

Fica o alerta para sabermos nos afastar caso estejamos muito nervosos para aquela respiração aonde vou recitar o mantra:

- O adulto sou eu !


Laura Gutman tem uma abordagem interessante, do ponto de vista da psicanálise, sobre o choro do bebê: 

"Quando nascemos, esperamos encontrar fora do útero o mesmo conforto e ritmo em que vivemos nos últimos nove meses. Quando nascemos, passamos de um ambiente úmido a um ambiente seco. Muda a temperatura, mudam os sons. Sofremos uma forte mudança de postura, corporal, não estamos mais de cabeça para baixo e enrolados, e sim com as costas apoiadas em algo, sentindo a gravidade e talvez longe do contato corporal com nossas mães. Os bebês esperam estar no refúgio e conforto do corpo materno. A separação do corpo da mãe é uma situação difícil de confrontar. Os seres humanos contam com duas ferramentas indispensáveis para a sobrevivência quando bebês. O primeiro é o instinto de sucção. O outro é o choro, que serve para avisar à nossa mãe, que precisamos dela. Se compreendemos que o bebê não pode fazer nada por si mesmo, aceitaremos que se ele chora é porque precisa ser atendido. A pergunta que podemos fazer é se damos prioridade às necessidades de nossos bebês ou se colocamos em primeiro lugar as nossas próprias necessidades. Tenhamos confiança de que se o bebê recém nascido se sente atendido quando chama, ele vai construindo uma forte segurança interior, que vai facilitar as coisas cotidianas conforme seu desenvolvimento."

Esse talvez seja o texto mais difícil pois nos convida a estar presente no choro e , inclusive o nos observar durante o choro. Exercício este continuo nas funções materno-paternas.

Quando nos dispomos a cuidar de nossos bebês - além de é claro um olhar afetuoso para as necessidades básicas de cuidado, que dependem exclusivamente do adulto, como alimentar o bebê, mantê-lo limpo e amado - precisamos saber que entraremos em contato com as nossas próprias fraquezas e limites. E que o tempo-lugar do choro, do descontentamento aparente do filho, de um suposto sofrimento, pode ser exatamente onde nos encontraremos com elas. O que isso significa? O choro do bebê não será algo a ser resolvido sempre. Em muitas situações, o choro do bebê é algo para ser sentido, vivido. E como todo choro, amparado. Começamos a discutir formação de vínculos, nas suas alegrias e dificuldades.

Às vezes, diante do choro do bebê, esquecemos de executar as atividades mais simples. Um colo extremamente cuidadoso, palavras de carinho. Olhar nos olhos, oferecer o peito. Os pensamentos em busca de uma explicação para o choro ou uma solução para sair desse tempo-lugar de desconforto podem agir no sentido oposto desse amparo. E o bebê sente, e quanto mais desconfortável estiver, mais chora. E quanto mais chora, mais confirma a sua dor e a minha impotência e assim, estamos num imenso ciclo vicioso de frustração e dor.

Se mesmo alimentado, cuidado, amado e atendido o bebê segue a chorar, talvez seja momento de nos perguntarmos: o que EU estou sentido? Ao invés de tentar decifrar o bebê. E poder se afastar para se fortalecer para voltar com mais serenidade e confiança. "O adulto sou eu".

A chegada de um bebê na vida dos adultos revelará essas possibilidades de reencontro com nossas próprias necessidades, prioridades e frustrações além das deles próprios. Vamos lembrar que eles choram também o nosso choro, aquele que acreditamos, por ser ruim, não deixamos sair. A mágica seria conseguir compassar esses tempos e desejos, dos adultos e bebês, de forma afetuosa. 

Quando se trata de choro, do bebê ou do nosso próprio, estamos dispostos a apenas deixar sair e amparar? Qual o papel dos bons pais? Construir um mundo ao redor das crianças sem choro (ou sofrimento) ou ampara-los nas suas dificuldades acreditando na capacidade que cada um traz de lidar com as situações da vida ? Essa será a eterna (ou terna?) pergunta :

- Quando é hora de dar colo ou quando esta na hora de agir?

E vamos nos inventando e reinventando a cada dia nesta continua Jornada que é ser Pai e ser Mãe!